- Gênero: Drama
- Direção: Claudio Noce
- Roteiro: Enrico Audenino, Claudio Noce
- Elenco: Pierfrancesco Favino, Barbara Ronchi, Mattia Garaci, Francesco Gheghi, Lea Favino, Giordano De Plano, Paki Meduri, Anna Maria De Luca, Mario Pupella
- Duração: 120 minutos
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Irmãos à Italiana, um dos títulos selecionados para o 8 1/2 Festa do Cinema Italiano, abre com uma cena de identificação muito fácil pelo espectador que sofre de ansiedade: um homem começa a se sentir mal dentro do metrô, a presença das pessoas o incomoda, a quantidade delas também, ele salta em determinada estação angustiado, e o sistema de som anuncia uma necessária evacuação, o que aumenta e piora seu estado. Esse que vos escreve assistiu tal cena compreendendo toda a situação e vivenciando parecido; quem sofre de ansiedade tem gatilhos constantes e o ato de assistir uma crise dispara o mesmo, em geral.
Noves fora da experiência pessoal, o filme dirigido por Claudio Noce dedicado ao seu pai e inspirado em eventos verídicos elabora um sentido de estranheza narrativa, onde o espectador tateia junto o protagonista num escuro de desconhecimento durante muito tempo, elevando os predicados da produção. Da seara do “o mundo visto pelos olhos de uma criança”, o filme opta narrativamente por esse esquadro de maneira radical, deixando o pequeno Valerio em compasso de observação constante, perdido entre o que testemunhou e quer esquecer e as informações que lhe são negadas – um quebra-cabeça complexo para montar, e que nem está pedindo para tal.
Em seu terceiro longa, Noce assina o roteiro ao lado de Enrico Audenino partindo das memórias que ele tenta emoldurar, misturando o que hoje sabe com o tempo onde não sabia, as sensações do presente misturadas com as do passado e um mosaico de um certo grau de dificuldade narrativa ao embaralhar propositadamente eventos reais, imaginários, sensações, desejos e metaforizações, que parecem querer confundir mais do que explicar no papel, mas que em tela funciona surpreendentemente bem. Ao conseguir essa radicalização de foco narrativo difuso – e uma cena especificamente traduz um sentimento ao espectador, quando Valerio tenta investigar seu presente invadindo um quarto de TV trancado, e é repreendido com violência pela mãe, ao conspurcar os segredos que precisam continuar como são – Irmãos à Italiana se sobressai em uma seara que tantos filmes já visitaram, de Fanny & Alexander a O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, passando por infindáveis outros títulos.
A expressiva fotografia de Michele D’Attanasio (premiado por Veloz como o Vento) acompanha à perfeição a jornada imagética do diretor, que precisa transitar por luzes naturais, espaços confinados e o literalmente o olhar em primeira pessoa. Essa dobradinha já testada com Noce é muito valorizada aqui por causa das diferentes texturas e propósitos que o roteiro precisa empregar para melhor contar essa história, do ponto de vista visual. A câmera está sempre no lugar mais acertado para contar cada plano, seja a correria vertiginosa de mãe e filho pela escadaria, seja a visita a um velho médico, o trabalho fotográfico aqui é superior ao ato de criar uma atmosfera, mas também é isso, aliado a tradução visual da produção, que inclui inserir o espectador como uma espécie de titereiro ao jogo cênico, acompanhando o projeto gráfico do alto como se pudesse interferir no caminho daquela história.
O roteiro de Irmãos à Italiana fornece essa sensação ao espectador, quando dispõe elementos para completar o jogo com camadas de thriller de espionagem, drama introspectivo, suspense fantástico, conflitos familiares abafados, e o público montar inúmeras cartilhas de roteiro diversas, em separado que vão se unindo até formar um quadro absolutamente diferente do imaginado. A montagem de Giogiò Franchini não só agrega ritmo ao filme, como permite que o jogo proposto do diretor nunca soe pretensioso ou bagunçado, arrumando as peças em um tabuleiro que só parece inchado, mas que conta com o necessário para que possamos mover as peças para os lugares de quaisquer origem, voltar até o ponto inicial e tentar um jogo diferente.
No último Festival de Veneza, o filme saiu com a Copa Volpi de melhor ator para Pierfrancesco Favino (de O Traidor), grande ator em excepcional momento de carreira, e que entrega aqui uma interpretação tão minuciosa quanto a do resto do elenco, preocupados em servir ao produto final muito mais do que brilhar individualmente – o que acaba permitindo que aconteça, com muita sutileza. O pequeno protagonista, Mattia Garaci, igualmente especial, faz parte desse belo quadro coletivo montado por Claudio Noce, que ao investigar suas origens e seu passado trágico, entrega ao cinema uma reflexão sobre a ordem das percepções humanas, do que fica do passado, e das versões da verdade que se transformam por si só na própria verdade, ou numa versão dela cheia de possibilidades.
Um grande momento
O atentado.