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Barba, Cabelo e Bigode

(Barba, Cabelo & Bigode, BRA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Lúcio Branco
  • Roteiro: Lúcio Branco
  • Elenco: Lucas Penteado, Solange Couto, Juliana Alves, Jeniffer Dias, Neusa Borges, Nando Cunha, Serjão Loroza, Yuri Marçal, Luana Xavier, Xando Graça, Bruno Jablonski, Mc Carol
  • Duração: 124 minutos

Há um ano atrás, Jefferson De finalmente lançava o seu Correndo Atrás, depois de anos de tentativas frustradas da estreia nos cinemas, que não chegou a acontecer. Hoje a Netflix coloca na praça Barba, Cabelo e Bigode, sua nova comédia nacional que tem uma base parecida com a da comédia de De, no que a representatividade de ambos ambiciona. É um filme esteticamente chamativo, porque estão no centro da narrativa – ou melhor, em toda a narrativa, praticamente – uma classe peŕiférica preta que não está em briga de facção, ou na cadeia, ou subalternizado por brancos. O filme é orgulhoso do que mostra e de quem está no cerne da narrativa, ocupando os espaços com muita propriedade, formando aos poucos um novo conceito para o olhar. 

O filme é a estreia na direção de cinema de Rodrigo França, escritor e autor teatral já premiado. Depois de uma passagem pelo Big Brother Brasil em 2019, o multi artista viu o interesse pela sua obra aumentar exponencialmente, e acabou por corresponder às expectativas até agora. Figura de notável inteligência, França expande a comunicação iniciada em um dos programas de maior audiência do país para angariar reconhecimento e espaço, esse disputado a unha entre pessoas que têm muito mais privilégios que ele. Aqui, o jovem profissional encontra seus valores como homem e como artista, para tentar mais uma vez encampar uma discussão de maneira explícita a respeito dos racismos diários. Sem didatismos, mas estando ciente de sua importância na cena.

Barba, Cabelo e Bigode
Vantoen Pereira Jr/Netflix

Todos os esforços na realização da produção são válidos, e precisam ser comemorados. Não é todo dia que vemos um elenco majoritariamente negro (são apens três atores brancos no elenco), realçar o caráter empreendedor da periferia, lutar pelo acesso à educação, colocar em pauta o orgulho da pretitude e de suas raízes. Isso é muito mais que louvável, é uma forma de reelaborar a forma como o negro foi representado no cinema, em como a mulher negra foi colocada em cena. Um exemplo é a presença de Solange Couto no lugar de co-protagonista, um presente para ela e para o lugar onde foi imageticamente explorada por tantos anos. Até a possibilidade de expandir o olhar para a sexualidade fluida é pensado pelo roteiro e por França, dando acúmulos de representatividade poucas vezes vista no cinema nacional recente. 

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Em contrapartida, Barba, Cabelo e Bigode não consegue fugir de uma estereotipação da comédia brasileira dos últimos 20 anos, com sua linguagem televisiva se fazendo muito presente. É um olhar intoxicado para um gênero que não precisa lidar com códigos já ultrapassados pela própria televisão, vida casos como os de Altas Expectativas ou Divórcio, entre outros. Aqui, temos uma estrutura estética que se assemelha ao de um piloto de seriado humorístico para o Multishow – 80% do filme se passa dentro do salão de beleza que é o cenário principal, que muitas vezes parece descolado da realidade. Um cenário pronto inserido por computação em uma região periférica, provavelmente a Penha carioca. Quando o filme se desloca desse lugar, ganha respiração renovada e fôlego para mostrar mais do que sua verbalização. 

Barba, Cabelo e Bigode
Vantoen Pereira Jr/Netflix

Recentemente, Vale Night explorou os cenários construídos em paralelo com a sua geografia externa de maneira muito eficaz, mas aqui isso não é alcançado. São interiores fictícios, quase caricatos e com uma funcionalidade muito demarcada de uma artificialidade. Isso arranha a proposta fora do comum da produção, em lotear uma iconografia da periferia e transportar o personagem negro para um lugar despadronizado. É eficaz enquanto voz rebelde de um momento específico dentro do audiovisual, mas que esbarra nesse olhar estrangeiro do espaço físico, que não parece pensado pelos mesmos criadores da estrutura narrativa. Isso entrava na apreciação do filme, que parece bifurcado em duas realizações quase antagônicas, que se digladiam para manter uma unidade que não se firma.

Barba, Cabelo e Bigode acaba, então, tendo energias contrastantes que poluem o material geral. De um lado, a efervescência de um lugar de fala genuíno, que se amplia sistematicamente ao que o status quo não quer mostrar, nem quer reverberar com exatidão. Do outro, a tradição de um descuido estético, uma acomodação de realização burocrática entrecortada pelas tradicionais hashtags e conversas de whatsapp visuais que já se tornaram padrão. Existe um filme acontecendo no meio desse cabo de guerra que precisa encontrar a liberdade para dar voz às próximas produções, mais acuradas e que não tenham o padrão vigente como base.

Um grande momento
A chegada de Mc Carol no culto 

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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