Crítica | Streaming e VoD

Joias Brutas

(Uncut Gems, EUA, 2019)
Drama
Direção: Benny Safdie, Josh Safdie
Elenco: Adam Sandler, LaKeith Stanfield, Tommy Kominik, Keith Williams Richards, Maksud Agadjani, Julia Fox, Mike Francesa, Kevin Garnett, Idina Menzel, Eric Bogosian, Judd Hirsch
Roteiro: Ronald Bronstein, Josh Safdie, Benny Safdie
Duração: 135 min.
Nota: 10 ★★★★★★★★★★

Adam Sandler é um personagem detestável. Nada contra a pessoa em si, mas o ator criou uma persona que, nas últimas décadas, tem feito filmes de comédia idênticos, bobos e que aborrecem com aquele excesso de paspalhice travestida de vida ordinária. Mas o sucesso que alcançou com Click, Billy Madison, O Rei da Água e outras produções com as companheiras Jennifer Aniston e Drew Barrymore fizeram de Sandler uma joia preciosa para a indústria e especialmente para a gigante Netflix, que prepara mais um contrato milionário envolvendo um pacote de filmes do ‘Sandler universe’ – O Mistério do Mediterrâneo por exemplo foi o filme mais assistido na plataforma no dia de estreia.

E o que tem de precioso ultimamente que o faz ser digno de grandes elogios? Tem que Sandler está com um filme na Netflix chamado Joias Brutas, produzido pelo time de Ted Sarandos em parceria com a produtora independente hypada A24, dirigido por Josh e Benny Safdie. E Sandler entrega a atuação da sua carreira, ainda mais surpreendente e bem encaixada que o pobre diabo de Embriagado de Amor (um grande pequeno filme do mestre Paul Thomas Anderson). “É assim que eu ganho” – ele não anda ganhando prêmios para além do de melhor ator no prestigioso National of Board Review, mas na pele de Howard Ratner, Sandler entrega a melhor atuação da temporada.

Os irmãos Safdie partem da própria experiência como nova iorquinos e estudantes de cinema da Universidade de Columbia, com uma bagagem que une referências de Abel Ferrara a Abbas Kiarostami, para construir um universo caótico, frenético e de desesperança nas quebradas da Big Apple.

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Howard (ou Howie, como é chamado por todos pelas ruas ou pela namoradinha Julia) começa o filme nervoso, fazendo um exame, achando que herdaria a maldição judia por conta do ritmo doentio em que leva sua vida – ou como gosta mesmo de conduzir as coisas: sempre andando na corda bamba. Ele é um joalheiro meio trambiqueiro, que vende coisas falsificadas e é viciado em apostas, assim como em basquete e na possibilidade de ficar milionário. Outra obsessão surge quando ele descobre assistindo tv que existe uma opala preta rara e misteriosa na Etiópia, que ele encomenda e logo o leva a um embate com o astro Kevin Garnett, do Boston Celtics.

Misturando ao gênero de drama pitadas de suspense típicas do subgênero heist (assaltos/golpes), os Safdie constroem aquele que talvez seja o filme mais tenso e angustiante da temporada. A cada engabelamento que Howard trama contra seus credores, especialmente envolvendo o parente Arno, mais ele arrisca o pescoço. E junto com a sanidade, a família vai indo pro buraco. Os três filhos são deixados de lado assim como a esposa (Idina Menzel) que não aguenta mais os chifres nem as manias de Howard. Na verdade ela não aguenta mais ouvir a voz dele, olhar para a cara dele ou qualquer coisa que faça referência a ele.

O crítico Erik Anderson tuitou que esse deve ser um dos personagens mais execráveis já vistos num filme e Howard é isso mesmo, assim como próprio Sandler em seus papéis de maior sucesso. Mas eis o pulo do gato dado pelos Safdie: o protagonista de Joias Brutas nada mais é do que um amálgama de Sandler com a voz irritante, a maneira desengonçada de andar, o jeito de malandro e de perdedor. É uma composição genial, aliada ao ambiente onde ele opera – a joalheria – que é tão ordinária quanto o dono: uma birosca apertada, com mostruários frágeis, uma porta que vive emperrando e o barulho do alarme que destrava a mesma, que parece marcar o compasso dos atos descompassados de Howard, aumentando a aflição.

Joias Brutas é mais um capítulo na história de pessoas nada heroicas, bonitas ou inteligentes. A protagonista de Sexo, Drogas e NY e o de Bom Comportamento se somam a Howie como prismas de um diamante grosseiro, talvez fajuto, mas que fascina. Sandler sendo corajoso, deixando a preguiça de lado e se entregando como matéria para os Safdie lapidarem, encaixarem a opala furta-cor enigmática na sua escrita cinematográfica.

É um cinema que captura e faz mergulhar num universo denso, sujo, cru, a bordo de um carrinho velho e enferrujado numa montanha russa nada segura. E é ótima a sensação de se jogar no tour de force desses dois irmãos geniais.

Um Grande Momento:
O fim da partida.

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Lorenna Montenegro

Lorenna Montenegro é crítica de cinema, roteirista, jornalista cultural e produtora de conteúdo. É uma Elvira, o Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema e membro da Associação de Críticos de Cinema do Pará (ACCPA). Cursou Produção Audiovisual e ministra oficinas e cursos sobre crítica, história e estética do cinema.
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