Crítica | Streaming e VoD

JUNG_E

O poder da auto-imagem

(정이, KOR, 2023)
Nota  
  • Gênero: Ficção científica
  • Direção: Yeon Sang-Ho
  • Roteiro: Yeon Sang-Ho
  • Elenco: Kang Soo-yeon, Kim Hyun-joo, Ryu Kyung-soo, Lee Dong-hee, Uhm Ji-woon, Park So-yi
  • Duração: 95 minutos

O cansaço do crítico de cinema muitas vezes abre a percepção para que outras assimilações do mercado cheguem com mais facilidade. Pós Mostra Tiradentes, estou rifando meu interesse, imerso em produções que não parecem merecer meus pitacos – mas sendo obrigado a tal. Qual não é o meu susto ao encontrar, no meio do atraso das encomendas, esse JUNG_E, produção ‘netflixiana’ vinda da Coreia do Sul com algum sucesso entre nós, e que se revela bastante diferente do imaginado. Nem imagem nem narrativa eram o esperado, e se revelam muito mais instigantes porque se afastam dos olhares esperados para esse tipo de produção, com uma substância inesperada. 

Não é apenas o reconhecimento de sua imagem diante do fim, mas da repetição dessa imagem até que seja estabelecido o critério esperado pelo olhar do observador. Ou seja, JUNG_E é um filme não apenas sobre a máscara que se imagina da figura central, a andróide clonada em massa, mas como em todos os personagens protagonistas. São figuras trágicas que se disfarçam em outras categorizações, para simular novas formas similares à humana. A forma como o roteiro se categoriza pra esse lado de construção acaba por costurar o que se imaginaria como sendo um thriller de ficção científica; ainda o é, mas o que se compreende da experiência não se encerra nas emoções baratas. 

JUNG_E
Netflix

Yeon Sang-Ho é o homem por trás de Invasão Zumbi e continuações, que leva às suas obras exatamente mais do que se espera, à primeira vista. Um filme de zumbi que não é apenas um filme de zumbi, um filme de IA que não é apenas um filme de IA, suas ideias acabam ganhando contornos muito mais sofisticados e metafóricos do que outra produção em larga escala qualquer dedicaria. Na abertura, que não é real como imaginaríamos, já ficamos expostos a essa ideia de representação do real, uma elaboração que já nasce da ficção científica, mas aqui é contornado de maneira mais evidente. O roteiro brinca com seus protagonistas e as camadas de humanidade que cada um deles está em predisposição a mostrar. 

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Seohyun camufla suas emoções até perder a humanidade e se transformar no que sua mãe, hoje, se tornou. É como observar a hereditariedade agindo dentro da fábula, levada às últimas consequências: você quer ser como seus pais quando crescer? A pesquisadora científica caminha para tomar essa decisão, seguindo ou não os passos de uma mãe que já não é. Quando sua exposição finalmente vem, e ela revela suas fraquezas, suas dores e suas ausências, o roteiro de Sang-Ho revela suas implicações que se digladiam propositadamente. Existe uma intenção de mostrar que estão intrinsecamente ligadas às benesses da tecnologia e as dificuldades de um recorte humano, que pode também se mostrar deturpado. 

JUNG_E
Netflix

O nêmesis de Seohyun, Sang-hoon, está em movimento oposto. Tão demasiadamente humano que é, com todas as nuances realçadas à exaustão, agudo e com extremos tão amplificados e estridentes, que só poderia ser resultado de uma inteligência artificial das mais incompetentes. Na ânsia de performar uma normalidade fora dos padrões sociais, a personalidade de Sang-hoon acaba criando com contraste com a de Seohyun, e assim conseguir avançar a narrativa de JUNG_E, que observa duas vertentes possíveis para situar os lugares onde nada mais se veste de real em cena. É um jogo de espelhos onde a artificialidade dita as regras, criando uma moldura do irreal em toda parte, mesmo quando a veracidade tenta invadir as emoções de cada um em cena.

Ainda que não se importe em provar as características de gênero em cena, JUNG_E se move com facilidade dentro um cinema de viés popular, como a Coréia do Sul tem mostrado ser tão hábil. Tocante enquanto drama e eletrizante enquanto aventura, a produção mostra mais uma vez o potencial de Sang-Ho; com precisão, a autoria aqui ajuda a evocar o quanto seu roteiro trabalha a favor do poder da imagem construída. Por si ou pelo olhar de fora, nos cabe aceitar essa imagem ou recriar essa trajetória. 

Um grande momento

Encontrando a sala de clones 

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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