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Matilda

Pelas fadas madrinhas

(Matilda, EUA, 1996)
Nota  
  • Gênero: Fantasia
  • Direção: Danny DeVito
  • Roteiro: Nicholas Kazan, Robin Swicord
  • Elenco: Mara Wilson, Danny DeVito, Rhea Perlman, Embeth Davidtz, Pam Ferris, Paul Reubens, Tracey Walter, Brian Levinson, Jean Speegle Howard, Sara Magdalin, R.D. Robb
  • Duração: 98 minutos

Era uma vez uma linda princesa em um lindo castelo e uma triste história de vida, e uma bruxa má ou algo que o valha. Quantas e quantas vezes já ouvimos essas histórias e vimos personagens como essas em nossas vidas? Os contos de fadas e de bruxas tem estruturas que variam pouco e não deixam de agradar, era assim há séculos e continua sendo até hoje. Ainda que com uma significativa descaracterização com o advento do estilo Disney, o básico ainda é o mesmo. Então é no mínimo curioso que a gente não se importe com as personagens que são capazes de mudar o curso da história. As boas fadas madrinhas ou bruxas do bem surgem do nada, fazem sua boa ação e somem, sem nenhuma atenção maior ou cuidado com suas personas.

Matilda (Mara Wilson), a linda e fofa menininha que dá o título ao filme dirigido por Danny DeVito, pode muito bem se enquadrar na categoria das fadas madrinhas, mais do que isso, tem ali representada toda a falta de atenção que por tanto tempo as acompanha, só que de outra maneira. O longa, uma adaptação da obra homônima do controverso porém brilhante Roald Dahl, conta a história de uma garota que nunca recebeu o afeto dos pais e, desde bebê, teve que aprender a se virar sozinha. Muito inteligente e autodidata, lia tudo o que podia e, vejam só, tinha poderes mágicos. É na escola que Matilda conhece a princesa e a bruxa má de sua vida.

Matilda (1996)

DeVitto pinta seu filme com cores fortes e exageradas, aposta nos contrastes e em personagens marcados, histriônicos. O longa se divide em três universos: a casa da família de Matilda, que está imersa na estética kitsch, com atuações sempre um tom acima do próprio diretor como o pai trambiqueiro e de Rhea Perlman como a mãe platinada e deslumbrada; a escola, onde há uma tentativa não muito bem sucedida, de mesclar a opressão da diretora Trunchbull, numa atuação basicamente corporal de Pam Ferris e uma boa representação gráfica — principalmente no jogo de câmera –, com os oprimidos, graficamente menos interessante do que todo o resto, com muitas crianças e uma sala que se transforma; e o conto de fadas em si, com o “castelo” que foi tomado pela madrasta má (no caso, uma tia) e o chalé com flores silvestres da princesa, que também é a professora Honey, vivida por Embeth Davidtz. 

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Todos os exageros, tanto na estética como nas atuações são para atrair a atenção do público infantil e é algo que funciona, ainda que o filme possa — todos os filmes sempre poderão — deixar expostas as questões que vêm com o seu envelhecimento. Cenas como DeVitto e Perlman tentando tirar o chapéu na casa de chá ou Ferris chegando à escola depois do susto com Magnus fazem as crianças gargalhar até hoje. Porém, há problemáticas que já estavam no filme lá em 1996 e não têm a desculpa do tempo. Matilda é, sim, um filme para crianças, sobre uma criança que parece acreditar naquela máxima de que elas se divertem com pouco e o humor é suficiente para sanar qualquer equívoco de roteiro ou afim. Assim, o longa é bastante irregular, principalmente na construção de uma trama.

Matilda (1996)

A falta de estrutura fragiliza conexões e diminui eventos. Os poderes de Matilda — algo que traz a marca da obra de Dahl que, escritor infantil e de literatura fantástica, mesclava os dois mundos — não têm a atenção necessária até chegar ao seu grande momento. O que não se pode dizer da ligação entre a princesa e a fada madrinha, que até consegue se dar a contento e é bem divertido ver uma criança ocupando esse lugar. O desequilíbrio claro, deixa evidente que há um desacerto e uma certa diferença de visões. Esta, definitivamente, não busca muito sentido para as ações. No final das contas, essa é a grande questão de Matilda. Qual é o motivo dos atos? Qual é a motivação das personagens? Tudo é muito frágil e volátil. É bonito, bem feito e divertido, mas não parece haver uma convicção ou um interesse real no que vai acontecer. Faz-se o agora sem pensar no que vem a seguir.

O grande trunfo, por outro lado, é que cinema é subjetividade e a obra, maior do que si mesma, ganha a experiência e as vivências de quem assiste ao filme. Cada criança ou adulto que viu Matilda, querendo não só se divertir, preencheu as lacunas com seus entendimentos e desejos; viu naquela menininha coisas várias; encontrou naquela história representações incríveis e pode ter descoberto a representatividade de uma classe relegada ao aparecimento fugaz e sem nenhuma atenção, figuras importantes e que muitas vezes passam por nossas vidas sem que nem saibamos o nome. Aqui, Matilda mostra como se sentem as colegas quando, desde o nascimento, ninguém olha para ela, tem que aprender tudo sozinha, e, com seus poderes, chega para salvar a vida de alguém. Mas subverte quando ganha uma história só dela, e tem nome, sobrenome, background e um final feliz.

Um grande momento

Trunchbull chegando descabelada na escola

O filme Matilda foi escolhido pela apoiadora Enoe Lopes Pontes.
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Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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