Crítica | Festival

La Chimera

O mundo de outrora

(La Chimera , ITA, FRA, SUI, 2023)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Alice Rohrwacher
  • Roteiro: Alice Rohrwacher, Carmela Covino, Marco Pettenello
  • Elenco: Josh O'Connor, Carol Duarte, Isabella Rossellini, Alba Rohrwacher, Vincenzo Nemolato, Lou Roy-Lecollinet, Giuliano Mantovani, Melchiorre Pala
  • Duração: 125 minutos

Alice Rohrwacher vêm de um título que a consagrou no Festival de Cannes de 2018; Lazzaro Felice, para muitos cinéfilos, é um dos grandes filmes da década passada, e sua comunicação com o passado da cinematografia italiana é não apenas bem sucedido, como se comunica com o que a diretora planeja em seu próprio currículo. Seu novo filme é La Chimera, que tendo estado na competição do mesmo festival só que esse ano, não obteve a mesma recepção, talvez por abrandar sua pesquisa em torno do que lhe interessa. Mas segue sendo interessante acompanhar a trajetória da diretora, exatamente porque ela sabe muito bem onde está investigando, e sua coerência é atestada aqui. Como grande parte de seus conterrâneos, Rohrwacher se interessa pela constante revisitação. 

Seu olhar, que há cinco anos atrás buscou uma atualização sobre a tradicional investigação da Itália por mártires religiosos, e como essa criação perpassou o cinema e os autores que se aproximaram dessa vertente, agora têm um peso na ideia de trupe, que é uma parte fundamental da história daquele cinema. Imortalizado pelas comédias de Mario Monicelli e Ettore Scola, a comédia alcançada através de um grupo é a espinha dorsal do que constitui esse La Chimera, mas isso não transforma nem o filme em comédia e nem esse grupo em protagonista, necessariamente. Mais uma vez, Rohrwacher adentra tão profundamente sua pesquisa, que a intenção passa a ser a narração do entorno, como aquela união foi criada, e em que grau aquele universo é capaz de movimentar uma narrativa. 

Passando pelo que é simbólico e chegando ao narrativo, La Chimera também se aproxima do que formou a clássica comédia italiana na inocência que aqueles personagens circulam pela margem social do qual fazem parte. É uma espécie de subversão do que é certo e errado, porque estamos diante de saqueadores de túmulos que resgatam a arte ao nosso tempo. Ou seja, são um grupo de ladrões em tese, mas também abriga uma tentativa de resgate histórico do papel da arte, que é hoje transformado em moeda de troca para muitos. Qual a valoração de algo que se considerava perdido, e porquê muitas vezes não há mesmo um grau de colocação para tais obras? Rohrwacher tem um arsenal a dar conta e que precisa ser destrinchado com cuidado, e suas múltiplas possibilidades parecem, por vezes, atropelar as necessidades. 

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Em uma temporada onde ou a simplicidade é a bola da vez, ou o que é Importante foi desconstruído até alcançar alguma banalidade, La Chimera parece fazer o caminho oposto. Estamos diante de um grupo fadado a caçar o passado, tirando seu sustento do que a História conta, e que vai apresentando cada vez mais novos apêndices narrativos, que a produção em determinado momento parece inchada. Não falta fascínio para encontrar tais imagens, mais uma vez fotografadas por Helene Louvart (de A Vida Invisível), que parecem desbotar suas cores para demonstrar o que está sendo resgatado em cena. Não apenas trata-se de um encontro com algo que precisa ser resgatado, como cada plano parece mostrar essa intenção, em colaboração preciosa de roteiro e fotografia. 

Retirar o peso da contravenção, para ressignificar bandoleiros como os últimos defensores de uma arte em vias de extinção, era o que fariam os grandes mestres italianos como Ugo Tognazzi. Em seu lugar, Rohrwacher precisa também configurar sua discussão a um gênero onde poucas mulheres se aventuraram. Então, dentre muitas novas visões de mundo, La Chimera também coloca as mulheres retificando o olhar misógino que grita “o lugar de mulher”; aqui, no caso, o tal lugar é o de retirar do machismo um posto de espera, um tratamento que não seja central. Então Carol Duarte, Isabella Rossellini e Alba Rohrwacher estão em posição de tratativa de mudar os rumos de suas próprias histórias, ao contrário do que se espera delas. 

Dito isso, o lugar idílico do qual o protagonista vivido por Josh O’Connor chega ao final é paradigmático desse parágrafo acima. Ao final de suas tentativas, e de se perceber enfim alterado pela arte não apenas de fora pra dentro, Arthur (em uma reedição do batido lema “0 estrangeiro nos conhece melhor do que nós mesmos”) enfim se encontra em paz. E essa paz, que pode sim ser uma quimera, é um lugar onde a liberdade, a inocência e a ausência de perseguição se dá também por se integrar entre quem se integra. Não é muito, não é enorme, mas é o que se pode ter quando se escolhe a mais pura arte. 

[47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo]

Um grande momento

O desfile

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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