Crítica | FestivalFestival do Rio

Little Joe

(Little Joe, GBR/AUT/ALE, 2019)
Ficção científica
Direção: Jessica Hausner
Elenco: Emily Beecham, Ben Whishaw, Kerry Fox, Kit Connor, Phénix Brossard, Leanne Best, Andrew Rajan, David Wilmot
Roteiro: Géraldine Bajard, Jessica Hausner
Duração: 105 min.
Nota: 7 ★★★★★★★☆☆☆

Cineasta que aborda de forma bastante particular sentimentos, relações e gêneros cinematográficos, Jessica Hausner, passados cinco anos da comédia depressiva Amour Fou, está de volta com o thriller maternal Little Joe. Alice Woodard (Emily Beecham em boa atuação, mas nada que justifique o prêmio de melhor atriz em Cannes) é uma mamãe capaz de tudo para proteger sua cria e em determinado momento uma companheira de ofício lhe faz a pergunta crucial da trama: qual filho ela irá escolher quando chegar a hora?

A personagem só tem um herdeiro, Joe (Kit Connor), porém gerou também uma planta geneticamente modificada que dá tanto ou mais trabalho que uma criança e em compensação libera um “cheirinho de felicidade” infalível. Batizada Little Joe, a novidade antidepressiva promete mudar o mundo, mas depende dos humanos para se reproduzir, sendo estéril. Só que o desejo de se espalhar existe e a linda plantinha inverte então de forma bizarra a relação criador/criatura, arrastando para a confusão as prioridades de Alice.

O espectador é (des)orientado pelo encantamento vertiginoso e pela beleza magnética. A câmera desliza suavemente como tentáculos se expandindo de forma tão calculada quanto infindável, às vezes deixando até os personagens em ação para trás, rumo ao vazio inexplorado. A harmonia – em determinado nível – visual, no entanto, é confrontada pela trilha sonora agressiva e talvez excessivamente presente, marcada por ruídos que visam o desconforto e obcecada por uma indução de suspense que de maneira geral não funciona, mas por outro lado deixa as situações cômicas.

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A estética é primordial no laboratório asséptico povoado por cientistas que vestem desbotado verde enquanto alimentam em times opostos espécimes que têm berrantes tons de azul e vermelho – e é claro que o blue que define os deprimidos se torna a primeira vítima da passional provedora da felicidade Little Joe. O colorido figurino sempre impecável da protagonista (aliado à direção de arte) é um espetáculo à parte e a preocupação com a imagem está intimamente ligada à necessidade de afirmação do poder, afinal toda crise a respeito dos reais efeitos da convivência com a planta ocorre às vésperas de sua apresentação à sociedade num grande evento.

A confiança de Alice em sua criação é inabalável, ao passo que a insegurança é uma constante no trato com o filho Joe, para quem ela mal tem tempo e cuja solidão lhe causa grande preocupação. O gaslighting é muito bem representado e a dificuldade feminina em conciliar dedicação ao trabalho e à vida doméstica é uma questão, no caso com a especificidade complexa do apego genitor em ambos os campos.

Ao levar Little Joe para dentro de casa, Alice imaginava unir dois irmãos, mas acaba promovendo sua substituta, cujas ordens são outras. Se a felicidade de fato é oferecida (mesmo às custas das interações humanas), no entanto, não teria a provedora o direito de exigir uma contrapartida? É só uma plantinha tentando sobreviver! É só uma mãe tentando salvar o filho! A cabeça sofre ao fim da sessão e certamente isso não incomoda nem um pouco Hausner. Sua cria ganhou o mundo.

Um Grande Momento:
Joe conversa com Little Joe pela primeira vez.

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[Festival do Rio 2019]

Taiani Mendes

Crítica de cinema, escritora, poeta de quinta, roteirista e estudante de História da Arte. Também é carioca, tricolor e muito viciada em filmes e algumas séries dos anos 90/00.
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