Crítica | Streaming e VoD

Live is Life

Todos juntos sempre

(Live Is Life, ESP, 2021)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Dani de la Torre
  • Roteiro: Albert Espinosa
  • Elenco: Adrián Baena, Juan Del Pozo, Raúl del Pozo, David Rodríguez, Javier Casellas, Jon López, Marc Martinez, Sílvia Bel, Mercedes Castro, Fernando Morán, Luisa Merelas, Laura Nuñez
  • Duração: 109 minutos

A Netflix gosta de surpreender o espectador. Assim, como quem não quer nada, quando já estamos sem qualquer esperança de encontrar uma nova produção que faça diferença entre as tantas estreias aleatórias de cada mês, surge uma pequena pérola. É o caso do espanhol Live is Life, que acaba de estrear e merece ser descoberto. A princípio, o filme remete exatamente ao que se imagina mesmo, uma versão atrasada e local de Conta Comigo, o clássico de Rob Reiner produzido no exato ano onde aqui acompanhamos a ação; não acredito no acaso. Como no título adaptado de um conto de Stephen King, aqui temos um grupo de amigos numa aventura por uma floresta com toda pinta de ser o último crepúsculo da inocência. Sabe um daqueles verões inesquecíveis de cinema? Pois bem, aqui dura apenas 24 h e o grupo de meninos tem plena consciência da sua importância. 

Esse é o terceiro filme de Dani de la Torre, cineasta muito bem quisto em seu país, cujos anteriores A Sombra da Lei e O Desconhecido foram grandes sucessos na Espanha. Aos 47 anos, o diretor já demonstra maturidade suficiente para equilibrar os elementos que unem de maneira intrínseca, nesse tipo de produção, o drama e a comédia. Além de não realizar um filme que comunique exclusivamente com adultos, ou com adolescentes, o filme é uma surpresa ao conseguir propor de maneira honesta entretenimento de qualidade a qualquer público. A faixa etária retratada vai se sentir contemplada entre os aventureiros protagonistas, identificando-se com as peripécias mostradas, e o espectador mais velho que abrir mão das reservas, encontrará uma história tocante dessa amizade e do momento que cada um está vivendo, em equiparação de importância. 

O ritmo do filme é certeiro na condução do que essa história pede, um encontro inusitado entre a vida e a morte, tal qual King em seu clássico preconizou entre seus adolescentes. Aqui, estamos mais uma vez evocando esses dois extremos, o ator de morrer e o seu extremo oposto, a vida que emerge irradiante. Nem sempre tudo é apresentado com algum grau de sutileza, mas esses elementos estão em cena do início ao fim. Seja no bullying sofrido na cidade ou no campo pelo personagem que mais se assemelha ao que poderia delegar de protagonismo destacado, seja nas várias doses de enfermidade que ele encontrará nessas férias, seja na explosão de vida inesperada que literalmente cai no colo dos cinco. Esse contraponto antagônico, a agonia dos últimos momentos e a chegada de um oposto em igual urgência, marca a narrativa do filme. 

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Live is Life
Netflix

Mesmo quando os dados não são tão literais – porque sim, existe risco de morte em cena, para mais de um personagem, e existe a dádiva do nascimento em paralelo – Live is Life está implicitando essas questões, na narrativa ou em seu material imagético. Como um tradicional grupo de jovens amigos, esses personagens estão fervilhando de testosterona, mas especificamente Garriga está apaixonado e no limite da revelação dos sentimentos; Rodrigo está constantemente sendo confrontado com a presença do mal; Suso está na compreensão de seu lugar de suceder o pai; os irmãos Maza e Álvaro estão se permitindo declarar o amor que sentem um pelo outro à beira do fim. Essa última situação, por si só, já transmite toda a dualidade que o filme comporta, sem qualquer outro parâmetro refletor. 

De maneira irônica, Live is Life está impregnado dos elementos que também estão presentes em O Telefone Preto, que estreia essa semana. Aqui, no entanto, mesmo lidando diretamente com o espectro da morte, de la Torre se imbui do impulso de vida para encontrar o fôlego adequado para contar essa história. O roteiro de Albert Espinosa não tenta reivindicar outro propósito que não o de representar uma amizade tão forte no espaço de apenas um dia, e o faz com muita competência. Cada um desses cinco personagens é representante de uma vertente da adolescência, das tantas vivências que já nos carregou por esse contorno. Em cena, temos não apenas seus relevos, como um grupo competente de atores que realça seus papéis, em especial os gêmeos Juan e Raúl del Pozo, chaves tão diferentes de leitura e abordagem, talento cristalino em ambos. 

O lugar em que Live is Life acaba por encontrar sua comunicação interna, acaba sendo naturalizada para o público, que vê transbordando os sentimentos retratados com poucos sinais de exagero. Existe a segurança das imagens captadas por de la Torre, quase sempre de muita expressividade em suas intenções, e o roteiro esperto de Espinosa, que sabe como homenagear os elementos originais de Conta Comigo sem promover um remake, nem decalcar suas ideias. É como reunir as sensações promovidas por lá, e reagrupá-las aqui de modo a promover novas conexões, de outras matizes. No fim, acaba sendo válido como tributo e igualmente como descoberta genuína de uma gama de delicadezas novas. 

Um grande momento
A conversa entre irmãos 

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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