Crítica | Cinema

Longlegs – Vínculo Mortal

Prioridades confusas

(Longlegs, EUA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Terror
  • Direção: Osgood Perkins
  • Roteiro: Osgood Perkins
  • Elenco: Maika Monroe, Nicolas Cage, Blair Underwood, Alicia Witt, Michelle Choi-Lee, Lauren Acala
  • Duração: 101 minutos

Uma nova linha de investigação sobre assassinatos em série não solucionados é iniciada após as habilidades da agente Lee Harker serem descobertas pelo pessoal da agência. Os crimes envolvem mortes misteriosas de todos os membros da família, filhas e mães supostamente assassinadas pelos pais, que se matariam em seguida. Em todos os crimes, uma carta é deixada à polícia, e há sempre a dúvida se houve ou não a participação de uma outra pessoa. Longlegs – Vínculo Mortal, dirigido por Osgood Perkins, parte do suspense e busca o horror fantástico, mas, inseguro e pouco eficiente, não se resolve por qual caminho seguir. Na verdade, é um filme que acredita unir dois gêneros, mas não se estabelece nem como policial nem como terror. Ambos os caminhos seriam possíveis e válidos, mas a opção por misturar intenções resulta em um emaranhado sem muita forma e qualidade.

Dada a interação inicial, estava tudo certo em se assumir como uma espécie de O Silêncio dos Inocentes da Shopee, com uma protagonista problemática, confusa e a investigação que a envolvia completamente. Filmes ou produções audiovisuais que trabalham essa fronteira borrada entre investigadores e investigados existem aos montes e, em um mundo tão afeito à temática criminal, seria fácil fazer essa premissa funcionar. Aquilo, aliás, já estava aceito pelo espectador, porém, quando o filme assume seu lado sobrenatural, tudo se perde, e a construção se torna desordenada. Não que o caminho seja um problema, pois ocultismo, satanismo, o uso de relíquias ou algo que o valha também têm o seu lugar garantido com a audiência e uma facilidade de sucesso inegável. Ou seja, tudo que estava ali poderia ter dado certo.

Porém, falta profundidade à investigação, assim como falta também profundidade no proceder com essa entidade demoníaca – e até com as figuras terrenas que o invocam/representam. Não há uma preocupação em dar espaço ou tempo para cada uma dessas coisas, e tudo vai se acumulando, de maneira desajeitada, sem ligar para contexto ou conexão. Os eventos acontecem tão aleatoriamente quanto são aleatórias as descobertas e, além da superfície, quase nada da trama desperta interesse em quem assiste ao filme. As coisas vão se seguindo, por vezes sendo interrompidas por momentos insignificantes, como aquela visita à loja que não quer dizer nada pra ninguém.

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Um desprotagonismo como este talvez tente trazer um pouco mais de destaque a um personagem que quase não chega a se justificar como antagonista, assim como tantas outras coisas no filme. É difícil encontrar sentido no tratamento dado a esse vilão. Não seria estranho, por exemplo, pensar que a cena citada está ali apenas para que o tal Longlegs tenha mais tempo de tela, principalmente por seu intérprete ser quem é. Porém, entre os joguinhos de suspense e revelação, uma das apostas é não deixar reconhecível aquele que ‘está por trás da máscara’. Quase revelando-o em sua primeira aparição ou nos muitos ângulos que fogem de seu rosto, a ideia de Perkins não é omitir a identidade do assassino – algo salutar em suspenses –, mas sim ocultar o ator por trás do papel. A escolha, exterior à trama, recebe a atenção que o resto do filme precisava. E, apenas nesse universo, podemos falar de persona, postura, motivação.

São muitas as escolhas de direção e montagem que ressaltam um texto falho e cheio de pontas soltas. Cadência e parcimônia também são uma questão em Longlegs. Perkins até acerta no uso dos elementos para criar um ou dois momentos de tensão e não faz feio nas suas intromissões visuais, quebrando o padrão estabelecido. Ainda que não sejam nenhuma novidade, os ataques visuais conseguem o efeito estético esperado e cumprem o objetivo principal de manipulação. Porém, a falta de sutileza no geral e a obviedade com que o diretor lida com a própria história comprometem o filme. O também roteirista Perkin tinha criado o absurdo, imaginado resultados surreais, mas transforma tudo em banal. Nada é realmente surpreendente, mesmo que seja a coisa mais sem noção e deslocada das probabilidades que o próprio roteiro determinara, e há passagens tão evidentes que seu prolongamento chega a ser massante.

Para além da obviedade, há um problema de inabilidade com os atores, que entregam atuações aquém de suas capacidades. Maika Monroe está presa a uma personagem marcada pelo estranhamento e pela contenção, esta de grau incerto e duvidoso. Ela não sabe muito bem o que fazer com aquilo e, obviamente, não tem ninguém para ajudá-la nesse direcionamento. Ainda que não seja uma atriz fantástica, basta uma passada por O Observador para ver que ela vai além do que apresenta em Longlegs. Nicolas Cage, que já encenou papéis em filmes dos mais duvidosos, pelo menos pode se sentir confortável e protegido por estar quase irreconhecível com seu rosto coberto pela maquiagem pesada. Sorte dele. O tom incerto – ou não sabido – de seu vilão o faz estar sempre testando limites em cena, num descompasso com os outros personagens e a própria atmosfera do filme. Se com a protagonista e o antagonista é assim, o desalinho da direção se mantém com o resto do elenco. Alicia Witt que o diga.

Longlegs se posiciona num lugar incômodo desse novo cinema de terror onde estética e novas convenções se sobrepõem à própria trama. Sim, esteticamente, é um filme bonito de se ver na telona, que se preocupa em “construir” sua ambiência e, indo além, se empenha em joguinhos potencialmente interessantes. “Nooossa, por isso ela é acumuladora”… Porém, o que está por trás disso é uma história que se perde em uma espiral descendente, encontrando uma quantidade significativa de equívocos pelo caminho. Tudo se amontoa e se espreme em um final forçado e nada interessante. É difícil comprar a história mirabolante, é difícil chegar até o desfecho e é difícil entender como as coisas se perderam de tal maneira. Do policial puro ao terror raiz, ou mesmo de uma mescla sadia e equilibrada entre os dois gêneros que poderia ter sido imaginada em algum momento enquanto o projeto ainda estava no papel, pouco restou.

Um grande momento
Dentro de casa

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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