- Gênero: Drama
- Direção: Kelly O'Sullivan, Alex Thompson
- Roteiro: Kelly O'Sullivan
- Elenco: Keith Kupferer, Katherine Mallen Kupferer, Tara Mallen, Dolly De Leon, Hanna Dworkin, Dexter Zollicoffer, H.B. Ward, Tommy Rivera-Vega, Alma Washington
- Duração: 115 minutos
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Assim que começaram os créditos de Luz Fantasma uma questão surgiu na minha cabeça. Será que existe alguém que nunca tenha ouvido falar em “Romeu e Julieta”? Não demorou para que eu pensasse que isso poderia, sim, ser um pensamento elitista, ocidentalizado, fundamentado em outras mil questões. Mas o que eu acabara de ver era a história de um trabalhador de uma grande cidade estadunidense (portanto, um local falante de língua inglesa) e pai de uma aspirante a atriz. Ele também tentava se recuperar de uma tragédia familiar com características bem peculiares. Essa pessoa poderia até não conhecer profundamente a peça de Shakespeare, mas nunca ter ouvido falar? Pouco provável, quase impossível.
Tolices como essa, mas nenhuma tão ingênua e gritante, estão espalhadas pelo roteiro de Kelly O’Sullivan, que dirige o filme ao lado de Alex Thompson, repetindo a dobradinha de A Pequena Frances. Sobram, assim, o modo como a dinâmica familiar se estabelece em torno do trauma, definindo as personalidades dos três elementos daquela família e, o mais importante, a integração da arte como uma possibilidade de cura, um caminho terapêutico para o reencontro de si e para a reconexão desperta a atenção.
A ligação do espectador com a tão conhecida obra – mesmo que contraditoriamente haja uma rejeição ao vínculo universal pela própria autora – também faz com que o filme ganhe alguma força, pois cada nova forma de se contar a trágica história de amor em Verona desperta curiosidade, não tem jeito. Em qualquer narrativa, a conexão com aquilo que é muito conhecido tem essa força, mesmo tomando forma como história dentro de uma história, encenação dentro de outra encenação. A versão de “Romeu e Julieta” daquele grupo teatral inusitado é algo que queremos ver.
Indo além da peça em si, Luz Fantasma fala do próprio teatro e da arte cênica de maneira apaixonada, pensando na atuação como ferramenta de criação e forma de transformação do indivíduo. É de lá que vem o título, inclusive. A lâmpada fantasma é aquela deixada acesa ininterruptamente enquanto o teatro está vazio, que se liga depois que todos foram embora e as luzes principais se apagam. Deixando de lado interpretações fantasmagóricas, é como se esse ponto iluminado significasse mais do que uma segurança para os perigos da escuridão. É como se ele fosse também um farol que guia para o lugar de acolhimento e restauração.
O longa, que busca tratar do individual e do coletivo, discute a atuação que transcende o palco, a tela e alcança a vida. Fala de impossibilidades de adequação frente ao trauma e de dinâmicas estabelecidas que precisam se reinventar. O’Sullivan e sua equipe de casting acertam quando entregam a família aos atores Keith Kupferer, Tara Mallen e Katherine Mallen Kupferer — pai, mãe e filha que realmente desempenham o ofício na vida real. A intimidade entre eles – e esse jogo conjunto de desconfiguração da interpretação em algo tão cotidiano – cria algo interessante. Dolly De Leon, que surge como a madrinha do quebrado Dan, é outra que chama atenção e faz muito pelo filme.
Porém, é aquilo: a mensagem da arte como ferramenta de cura e do poder cênico inegavelmente têm o seu valor, mas, embora haja muito, não há como escapar da facilidade de muitas passagens. A cada novo passo rumo ao grande conflito da trama, mais se escancara a impossibilidade e a ingenuidade daquilo que se afirma desde o começo. Ainda bem que Luz Fantasma tem o teatro e Shakespeare para salvá-lo.
Um grande momento
A apresentação