Crítica | Outras metragens

Quando Aqui

Históricos

(Quando Aqui, BRA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Drama,
  • Direção: André Novais Oliveira
  • Roteiro: André Novais Oliveira, Esther az, Clara da Matta
  • Elenco: Norberto Novais Oliveira, Maria José Novais Oliveira, Renato Novaes, Felipe Oládèlé
  • Duração: 35 minutos

O cinema de André Novais Oliveira constrói sua sofisticação a partir de olhares muito específicos. Sua filmografia é das mais inventivas da atualidade e isso se dá pelos meios de organizar a linguagem do que vem sendo dito, erroneamente acusado de repetições e de uma simplicidade acusatória. Nem uma coisa nem outra, Oliveira deve ser o cineasta que precisa ser observado na atualidade. Ele acaba de entregar um duo de curtas metragens na Mostra Tiradentes 2024 que reafirma sua busca contínua por saciar inquietação. Esse Quando Aqui, sabe-se lá como, mostra que sua filmografia está muito longe de nos deixar sossegados, enquanto espectadores e enquanto pensadores. Longe de um habitat que poderia ser reconhecido como natural, um cinema de invenção é retomado pelo autor. 

Não há nada errado em experimentar, mas a ideia principal é que não estamos diante desse cineasta confortável que vez por outra ele é “acusado” de ser. Seus filmes entram em uma esfera onde o afeto parece o plano principal de discussão; não precisa ser muito oráculo para perceber que seu interesse vai além de mostrar positivamente sua família e os sentimentos que nascem dela. Em sua grande maioria, a Filmes de Plástico como um todo está interessada apenas em usar o naturalismo, e não se valer dele apenas. O cinema de Oliveira projeta nesse ideal reconhecível marcas importantes de uma fabulação dividida entre o tempo e o espaço. Quando Aqui não está reforçando nenhum olhar viciado ao cineasta (até porque, ele não o tem), mas é divertido observar nossas próprias tentativas de enquadrar um bicho livre. 

Na contramão do que vem sendo comentado nessa edição de Tiradentes, por uma (na minha visão) acertada reconfiguração de um dito subgênero moderno do cinema brasileiro – o tal ‘cinema de afeto’ – Oliveira deixou tal atribuição a O Dia que Te Conheci e volta a provocar. Lembrando que um dos primeiros filmes dele é Fantasmas, uma experimentação que muitos podem achar radical; particularmente, uma das grandes obras do cinema moderno. Ou seja, Quando Aqui (pensado, roteirizado, dirigido, montado e entregue em um mês) é irmão de Quintal, de Fantasmas, e acessa um cineasta que foi desafiado, e na pressão entregou um de seus filmes mais completos. Pode-se dizer que existe uma conversa com o Sombras da Vida do David Lowery, mas quando poderíamos imaginar esses dois cineastas aproximados? Mérito do que o cineasta empreende em sua citada inquietação. 

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A partir desse fogo interior, Oliveira resolve “provocar a provocação”, e reconstitui as reais intenções de outras imagens do passado. A mais óbvia é a cena clássica do Quintal, onde dona Zezé alça voo com uma ventania – essa mulher agora também é histórica. Apesar de posicionada no miolo de Quando Aqui, ela serve para nortear nossa construção narrativa particular. E como o imenso cineasta que é, não poderia deixar de ser humilde em dividir com o espectador as muitas possibilidades de história em cena. Com isso, perdendo em absoluto suas amarras para incluir na espinha dorsal do autor que é a história de sua família a partir do que a constitui geograficamente. A constituição dos Oliveira foi representada muitas vezes por aquela casa que vimos em Ela Volta na Quinta, Rua Ataléia e Quintal? Então o cineasta do clã vai reconstruir o espaço cênico através da História, com H maiúsculo, e garantir à sua família uma historicidade preta que ainda não foi designada com a frequência que seria imperioso tratar. 

A cada vez que o tempo é deslocado, seu movimento é continuamente alterado na nossa mente, enquanto ele reafirma sua família como cerne que vai além de sua filmografia, servindo aos seus um quinhão de posteridade. Sem qualquer traço de egolatria, Oliveira passeia pelo tempo, o passado, o presente e o futuro, sem se importar em ser qualquer um deles. Nessas andanças, o autor mapeia aquele pedaço específico onde uma família escreveu seus marcos particulares em uma sucessão de momentos onde o que vemos é desafiado pela sua demarcação temporal. O que era, o que é e o que será: nenhum fato relevante é abordado nos acessos ao filme, e por isso mesmo é tudo tão especial e elevado. O cineasta não quer “reescrever nenhum pedaço de nada”; ele quer apenas dar espaço a quem nunca o teve, historicamente. Isso só reafirma que a bandeira fincada é a de uma família preta feliz e realizada, mais um dado da metalinguagem de sua obra, conversar com seus personagens e com quem os ama independente da tela. Quando o cinema fez isso antes, e com pessoas como ele?

Em apenas uma sessão, é impossível garimpar tudo que está sendo dito, todas as flechas que Oliveira lança, mesmo indiscriminadamente, em Quando Aqui. Mas uma dos dados-chave é o quanto o seu orgulho de fazer parte daquele núcleo continua fazendo bem a sua cinematografia, a ponto de que passa incólume por ele possíveis olhares de incompreensão. Ele não está blindado, ele simplesmente é mais humano que tais atribuições. Ao percorrer o tempo atrás dos vestígios da própria história, e criar uma mitologia de minorias onde os seus são a base, André Novais Oliveira chega mais uma vez no lugar onde já chegou algumas vezes: o da obra-prima. 

Um grande momento

A história da casa, a base de tudo – mesmo

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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