Crítica | Festival

Meteorango Kid

Um viva ao deboche

Mergulhar em Meteorango Kid: Herói Intergaláctico é mergulhar em um Brasil que explode em delírio e desespero no final dos anos 1960. André Luiz Oliveira constrói um filme que parece feito de restos de sonhos e de pesadelo. É um retrato da juventude em transe, perdida entre a repressão da ditadura militar e a pulsação de uma contracultura que se recusava a ser silenciada. Mais próxima do sensorial do que do narrativo, a experiência é feita de cortes abruptos, imagens saturadas e uma lógica própria que abraça o caos como estética.

O protagonista, Lula, atravessa a cidade como um anti-herói deslocado, alguém que não se encaixa em nenhuma ordem possível. Sua jornada não busca redenção nem destino glorioso, quer saber da travessia, do contato imediato com aquilo que o cerca. A galáxia intergaláctica do título não é distante, está nas ruas, nos encontros, no corpo que insiste em resistir. A marginalidade é não só social, é também formal. Meteorango Kid rompe convenções narrativas, debocha do cinema tradicional e encontra na precariedade seu gesto mais radical.

Esteticamente, o filme é um colapso visual. A câmera oscila entre registros documentais e delírios psicodélicos, a montagem fragmenta e recombina sentidos, a trilha sonora reverbera como comentário irônico. Mas do que experimental, essa mistura é uma forma de traduzir o próprio estado de espírito de uma época, instável, furioso e debochado. Cada imagem carrega a sensação de urgência, como se fosse preciso filmar antes que a realidade fosse censurada ou apagada.

O filme também dialoga com a tradição tropicalista, partilhando da mesma ironia corrosiva e da mesma fusão entre alta cultura e lixo pop. Com humor escrachado e uma recusa em separar arte e política, Meteorango Kid mostra o colapso como possibilidade. Ao abraçar a desordem, expõe a hipocrisia de uma sociedade que queria ordem e progresso, mas vivia mergulhada em violência e opressão.

Mais de cinquenta anos depois, o filme ainda pulsa como gesto de insubmissão. Sua desordem continua atual e sua energia anárquica, contagiante. Uma das grandes obras da contracultura, Meteorango Kid: Herói Intergaláctico é um lembrete de que o cinema pode ser grito, caos e libertação. Um filme que dura pela centelha de liberdade que continua incendiando quem se entrega a ele.

Um grande momento
Tu conhece o Lula?

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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