- Gênero: Documentário
- Direção: Ramona S. Diaz
- Roteiro: Ramona S. Diaz
- Duração: 99 minutos
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Um político de baixo clero, desprezado e ridicularizado pelo meio, vendido como a alternativa diferente, com uma campanha populista e reacionária baseada na violência chega ao poder. Presidente, gosta de se vangloriar do próprio poder e da violência institucionalizada, fazer piadas com suas partes íntimas, humilhar e ameaçar jornalistas e enriquecer a própria família de políticos. Lembra alguém? Mas não é quem parece ser. Este é Rodrigo Duterte, eleito presidente das Filipinas em 2016. E não é uma mera coincidência como vem denunciando a jornalista Maria Ressa. Ela é foco principal do documentário Mil Cortes, dirigido por Ramona S. Dias.
Cofundadora e editora-chefe do site de notícias Rappler, Ressa é uma das maiores críticas ao governo de Duterte e, desde o começo da ascensão do político ao posto de presidente, se dedica a entender o funcionamento das redes sociais na manipulação das eleições e a combater fake news. A briga constante com o governo estabelece-se como uma terceira trama no filme, enquanto o caminho da jornalista, na propagação de suas descobertas e sua investigação, serve como apresentação de Duterte e sua máquina de divulgação e poder.
Funcionando ainda mais em realidades que vivenciam a concretização desse projeto alt-right ou o “Movimento” de Steve Bannon, que se espalhou pelo globo, essa costura dá ao filme uma forma dinâmica e faz com que ele flua de maneira natural. E é algo que vai além da identificação, pela curiosidade do embate entre os personagens e a diferença entre a postura calma de Ressa e a potência de suas denúncias.
De certa maneira, Mil Cortes lembra um pouco o documentário Silêncio de Rádio, que fala sobre as inúmeras tentativas de silenciamento da jornalista mexicana Carmen Aristegui, crítica ferrenha do governo; alvo e combatente da censura e das fake news. Ambos os longas destacam mulheres que lutam contra um sistema perpetuado e que leva em consideração o gênero de sua opositora para escolher que insultos, ameaças e métodos de diminuição será usado. O mundo como ele é. Embora o longa de Juliana Fanjul se desequilibre na admiração, algo que Dias tem mais controle, há um interesse em observar como mulheres retratam mulheres que se levantam contra a opressão em sua configuração mais poderosa dentro de uma sociedade: o governo do país.
Outro destaque é como a diretora chega em um dos pontos nevrálgicos da luta de Ressa. Pelas características da política dutertiana e pela fragilidade das instituições filipinas, em Mil Cortes vemos a jornalista ser submetida a intimidações constantes (assim como víamos Aristegui), mas a diretora faz isso relacionando as ações contra a profissional e seu portal, o Rappler, à rotina de humilhação e descrédito enfrentada por todos os repórteres do país. A descredibilização da mídia tradicional e o incremento de canais de viés tendencioso e partidário chega em ação, discurso e concretização, com a existência política de figuras como o próprio Duterte, sua filha Sara ou o antigo chefe do sistema penitenciário.
Há um certo didatismo, principalmente em explicações técnicas dadas pela própria entrevistada e ilustradas com gráficos para facilitar a compreensão. Ainda assim, Mil Cortes é um filme importante como documento e tenta encontrar, na forma, caminhos para se diferenciar e se tornar mais forte, por vezes conseguindo. Para nós, da América, é como ver o início de uma experiência nefasta e destruidora que infelizmente funcionou, algo que fez as pessoas acreditarem no esdrúxulo porque ele estava publicado em algum lugar, porque era o que defendia a banda mais descolada do país e porque ninguém mais podia “salvar a sociedade” a não ser alguém que estivesse “desligado de tudo”. Sem falar em todo o descaso com a vida humana. “Vocês se preocupam com diretos humanos. Eu me preocupo com vidas humanas”, fala Duterte em sua campanha de extermínio maquiada de ação contra as drogas.
Mas sempre teve gente avisando, e Maria Ressa é uma voz importantes nesse coro, que segue combatendo aquele que contraria tudo o que a levou de volta às Filipinas e a fez escolher o jornalismo como profissão.
Um grande momento
“Somos o futuro distópico de vocês”
[26º É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários]