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Minha Vida Incomoda Muita Gente

(Meskina, NED, 2021)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Daria Bukvic
  • Roteiro: Fadua El Akchaoui, Daria Bukvic, Ernst Gonlag
  • Elenco: Maryam Hassouni, Nasrdin Dchar, Vincent Banic, Soundos El Ahmadi, Rachida Iaallala, Najib Amhali, Jouman Fattal
  • Duração: 94 minutos

“Quantas chances desperdicei quando o que eu mais queria era provar pra todo o mundo que eu não precisava provar nada pra ninguém”. Essa frase pulou na minha mente assim que terminei de assistir Minha Vida Incomoda Muita Gente, e me fez pensar se os compositores de “Quase Sem Querer” também tinham trinta anos quando a escreveram.

O longa holandês, de nome original “Meskina” (que pode ser traduzido como “digna de pena”), dirigido pela diretora Daria Bukvic, conta a história de Leyla (Maryam Hassouni), uma holandesa marroquina, de trinta anos de idade, que tem de lidar com a pressão familiar por “ser velha” e ainda não ter encontrado um marido, diferentemente do que a tradição marroquina preconiza.

O roteiro divertido conta as trapalhadas da personagem com agorafobia, que se vê em situações embaraçosas, criadas por sua família, ao tentar convencê-la de que precisa se casar para ser feliz, mesmo sendo uma mulher de trinta em pleno século XXI.

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Minha Vida Incomoda Muita Gente
Wessel de Groot/Netflix

A personagem tem problemas muito similares aos de qualquer mulher aos trinta: uma vida social não muito ativa; uma família que dá palpite em toda e qualquer escolha que ela precise fazer; uma pressão emocional para arranjar um marido e ser “feliz para sempre”; o desejo frustrado de seguir uma carreira específica, concomitante ao dever de arrumar um emprego para pagar as próprias contas.

Fato é que a atuação de Maryam atrelada ao roteiro majoritariamente feminino e à direção de Daria são os ingredientes perfeitos para que as millennials se identifiquem com a personagem principal, especialmente se essas mulheres em questão tiverem uma grande família unida – como é a de Leyla.

A trama de Minha Vida Incomoda Muita Gente se desenrola com a participação ativa de Amira (Soundos El Ahmadi), irmã de Leyla, e Najat (Rachida Iaallala), mãe das duas, que tentam ajudar a protagonista a encontrar o parceiro perfeito para salvar sua vida do tédio e da solidão que a solteirice aos trinta anos a causaram.

Meskina
Wessel de Groot/Netflix

O desenrolar da narrativa foge do padrão imposto pela tradição machista, e explicita que aqueles (ou aquelas) parentes que mais tentam nos ajudar, por muitas vezes, acabam nos atrapalhando e criando em nós expectativas de solucionar aquilo que apenas eles mesmos (ou elas mesmas) veem como problemas, mas não era sequer algo que nos incomodava, até ser pontuado por essas pessoas.

Fato é que parentes têm muito a palpitar na vida dos mais novos, pois tentam nos salvar de passar pelas mesmas decepções ou frustrações que eles passaram, mas o que eles não sabem – ou não querem saber – é que existe a possibilidade de nós não vivermos as mesmas dificuldades que eles viveram, pois os nossos objetivos e os degraus e obstáculos para alcançá-los mudaram.

Se minha avó (que tem a mesma idade que a mãe da maioria dos meus amigos; e tem a idade da mãe de Leyla) viveu sua pré-adolescência em um período onde os jovens ocidentais ansiavam por sua liberdade individual, ao som do rock psicodélico de “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”; minha mãe viveu a mesma idade em um período onde se prezava pela independência financeira, liberdade sexual e livre manifestação do pensamento.

Minha Vida Incomoda Muita Gente
Wessel de Groot/Netflix

Enquanto isso, analisando a minha pré-adolescência, vejo pessoas que dizem que não querem casar, porque a maioria dos pais dos amigos são divorciados (talvez até os próprios pais o sejam); que querem estabilidade financeira, mas não têm ideia de qual carreira vão seguir; e não precisam lutar por muita liberdade, já que um maior espaço foi alcançado pelas gerações anteriores.

Na nossa pré-adolescência as músicas mais marcantes são as que falam “dane-se o seu amor, eu sou melhor que você”, e a construção da individualidade, da qual se abriu mão por anos para caber numa imposição social de “constituir uma família”, é fomentada em jovens de vários contextos sociais diferentes.

Já diria Good Charlotte: “I’m paranoid of all the people I meet. Why are they talking to me? And why can’t anyone see? I just wanna live. Don’t really care about the things that they say, don’t really care about what happens to me” (tradução livre: “eu estou ficando paranoico sobre todas as pessoas que eu conheço. Por que estão falando comigo? E por que ninguém mais pode ver? Eu só quero viver. Não me importo realmente com as coisas que eles dizem. Não me importo realmente com o que acontece comigo”).

Minha Vida Incomoda Muita Gente
Wessel de Groot/Netflix

Não caberia, portanto, à nossa geração dizer para a geração Baby Boomers que as ligações familiares não são tão importantes quanto eles pensavam, e que o casamento é uma instituição oposta à liberdade sexual; não caberia, também, à geração Y dizer à geração X que trabalho não é tudo e eles precisam focar na saúde mental, afinal, os contextos sociais e as realidades que eles viveram eram completamente diferentes.

A recíproca, portanto, é verdadeira: não cabe às gerações passadas dizerem que nós temos que viver sob os mesmos preceitos e ordenamentos morais que elas viveram, porque os tempos, sonhos e ideais mudaram, assim como mudaram os meios para alcançar os objetivos, e os obstáculos que esses objetivos apresentam.

Ainda que estejamos falando de pessoas de mesma geração que nós, temos que pontuar que os objetivos de vida dos indivíduos, de forma geral, são diferentes, assim como cada indivíduo, com sua peculiaridade, tem maior ou menor dificuldade para alcançá-lo, portanto, devemos aprender a não colocar expectativas sobre a vida alheia, e não nos incomodarmos com a vida e os sonhos dos outros.

E que todos nós, millennials, tenhamos em nós um pouco de Leyla, para bater de frente com quem se incomoda com nossa vida, correr atrás da profissão que realmente queiramos e viver a parte amorosa da vida de forma que faça sentido para nós (e não apenas para as gerações anteriores).

Um grande momento
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Daniela Strieder

Advogada e ioguim, Daniela está sempre com a cabeça nas nuvens, criando e inventando histórias, mas não deixa de ter os pés na terra. Fã de cinema desde pequenina, tem um fraco por trilhas sonoras.
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