Série em Cenas

Monstro: A História de Ed Gein

(Monsters, EUA, 2022)
  • Gênero: Suspense
  • Criador: Ian Brennan, Ryan Murphy
  • Canal: Netflix
  • Temporadas: 3
  • Duração: 60 minutos

A fascinação pela monstruosidade é o que está por trás da série Monstros, mas o que se vê em A História de Ed Gein não é apenas o monstro. É a cultura que o produziu, consumiu e transformou em ícone. Vamos falar de monstros, no plural, porque o que está em tela não pertence só a pessoa Ed Gein, pertence ao cinema, à indústria do espetáculo e ao voyeurismo coletivo. A sugestão de que o crime pode tornar-se mercadoria se espalha pelos capítulos dessa temporada da série criada por Ian Brennan e Ryan Murphy.

Há méritos, claro. O ator Charlie Hunnam constrói uma presença estranha, transformada, que não deixa o espectador se sentir confortável. O retrato de Gein, recluso, esquizofrénico, gravemente doente, poderia ser rigoroso ou introspectivo, mas o que vemos é fetiche da violência, desvio da história e desejo de escandalizar. A câmera, contraditoriamente condizente com sua crítica, registra o horror como produto.

Visualmente, a produção mantém a sofisticação da antologia. A reconstituição dos anos 50 no Wisconsin, com campos, celeiros e corpos marcados pelo abandono, tem textura. Essa textura, porém, é tão plástica que muitas vezes substitui o sentimento. Com a veracidade se sacrificando em nome da experiência, o que não é necessariamente um problema, a montagem salta no tempo, mistura mitos do cinema de horror e cria fantasias que nunca aconteceram.

Assume-se, sem segurança, um caminho, mas a série falha em sua ambição. Quando o objetivo parece explorar a culpa da sociedade, a fissura que separa o normal do abjeto, Monstro: A História de Ed Gein se perde e opta por chocar mais do que investigar, ainda que sobre algo de relevante no reflexo de como o crime, o próprio monstro e a cultura pop se entrelaçam.

Gein é filho da repressão, da misoginia, da relação patológica com a mãe e da ausência de pertencimento. A série tenta agir como metalinguagem: quantos corpos foram usados, quantos mitos foram criados, quantas vítimas se tornaram inspiração? Só que não é uma história qualquer, é uma história real, com vítimas reais, afinal de contas, e o problema é que, ao transformar isso em espetáculo, Monstro: A História de Ed Gain assume o risco de perpetuar o horror em vez de constrangê-lo.

E, de fato, ele se perde nas subtramas, com a aparição de Alfred Hitchcock e Toby Hooper como personagens, a citação a O Silêncio dos Inocentes, a conexão forçada com outros serial killers e uma sexualização gratuita e, em alguma medida, até leviana. Tudo isso se acumulando e diluindo a narrativa principal. A temporada parece mais preocupada em reciclar símbolos para o consumo do que em dissecar um ser humano transtornado. Se o valor de uma série desse tipo deveria estar na construção da empatia com a vítima, ou na compreensão sistêmica, fica o silêncio, ou pior, a indiferença. As vítimas reais de Gein são apagadas sob a grandiloquência do monstro que virou ícone.

A sensação é de que, apesar de toda a ambição técnica, a audiência assiste a um registro que induz à contemplação do horror em vez da reflexão sobre o horror. A série escolhe seduzir o público com imagens fortes, em vez de convidá-lo ao desconforto moral de crimes reais. A arte pode muito bem mostrar o que é desprezível, mas também deveria fazer dele um elemento narrativo, uma ferramenta em casos específicos. Uma coisa é pegar uma história real e ficcionalizá-la completamente, outra é pegar essa mesma história e apenas levá-la a tela sem nenhuma consideração a ser feita.

Monstro: A História de Ed Gein é poderoso na forma, mas discutível no conteúdo. Celebra o olhar sobre o crime e o transforma em espetáculo, deixando uma antiga pergunta ética sem resposta: por que continuamos a criar heróis do que é desprezível? Entre a estética e o vazio da estrutura; aquilo que se mostra e o que se vê, nem sempre ajuda a compreender.

Melhor episódio
T03E01: Mother!

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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