- Gênero: Drama
- Direção: Anna Cazenave Cambet
- Roteiro: Anna Cazenave Cambet
- Elenco: Vicky Krieps, Antoine Reinartz, Monia Chokri, Viggo Ferreira-Redier, Féodor Atkine, Park Ji-min, Salif Cissé, Julien de Saint Jean, Tallulah Cassavetti
- Duração: 133 minutos
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Alguns filmes, de tão singelos e humanos, com aplicação assertiva no tratamento entre personagens, seus universos, nos ganham com a chave de uma aparente simplicidade. O espectador, no entanto, não precisa ser muito experimentado para entender que o naturalismo não tem nada de mais facilitador no momento da construção de uma proposta; pelo contrário, muitas vezes essa é uma chave mais dificultadora de apresentar resultados. Me Ame com Ternura foi uma das gratas surpresas a aparecer no Festival de Cannes desse ano, e que agora está abrindo o Mix Brasil com a elegância de uma história essencialmente feminina, cujo conflito parte de um lugar onde a misoginia não é uma questão amplificada, mas reside justamente nela o vetor da tessitura das relações, sem imprimir caricatura.
A diretora Anna Cazenave Cambet está em seu segundo longa-metragem, mas seus talentos podem ser apreciados pelo bom gosto com que ela defende a narrativa que está contando. Estamos em 2025 e o divórcio há algumas décadas não é mais um tabu (será?), mas ainda assim vivemos em um mundo onde as esferas do poder ainda são comandadas essencialmente por homens. Na prática, isso significa que existe uma “permissão” ao feminino para estar em determinados espaços, e que será categoricamente revogado quando assim convier ao sujeito cujo poder se vê escapar. Me Ame com Ternura abre seus trabalhos com uma civilidade rara de se ver entre casais separados, mas esse idílio é rompido com força assim que certas portas são desconsideradas; uma mulher pode envergonhar-se por algum feito, um homem lerá a vergonha causada a ele como um juramento de retaliação.
O filme expõe outra situação vivida pela mulher que requer mais coragem do que a sociedade supõe, que é a ‘saída do armário’ tardia. Clémence passa a se interessar por mulheres após o divórcio, e relacionar-se apenas com elas; ao abrir essa situação para Laurent prevendo alguma segurança, a guarda de seu filho passa a correr risco, após suas recusas em novas investidas sexuais do ex. Me Ame com Ternura, que parte dessa aparente simplicidade já citada, passa a complexificar todo aquele tratamento, incluindo tentativas de alegação de desvio de conduta parental. Isso não move apenas a vida da protagonista, mas vai criando novas semânticas em suas relações com todos que a cercam. É um trabalho que não poderia ser feito sem coletividade, ainda que a autora seja responsável pelas nuances que essa história abriga.
A universalidade do que é tratado em Me Ame com Ternura é ainda mais fina porque suas curvas acabam conversando com muitas situações espraiadas. A relação cheia de ranhuras que mãe e filho passam a estabelecer a partir do que é processado em que o espectador se encontra na mesma situação de Clémence, sem conseguir determinar a raiz do processo. O carrossel emocional onde se encontra a vida amorosa da protagonista. Sua relação com o pai, ora acolhedora, ora tão homofóbica quanto qualquer outra. A deterioração de uma relação cheia de respeito quando o despeito se faz ouvir melhor. Todas essas inserções são elaboradas com esmero pelo trabalho de Cambet, que apesar dos 35 anos já evidencia os predicados sensíveis de uma veterana talentosa.
A coroação desse trabalho está contido na expressão do elenco, encabeçado por uma Vicky Krieps avassaladora na quantidade de camadas de perdas que uma personagem consegue suportar. Sutilíssima, sua sensibilidade na interação com todos só não é mais efetiva do que o quadro que ela apresenta sozinha, em ecos de uma melancolia provocada por todos os tipos de abandono. Antoine Reinartz (de Anatomia de uma Queda) vive um homem ambíguo que o ator entende que precisa experimentar para muitos lados diferentes. Igualmente mínima, a entrega de Monia Chokri (de A Natureza do Amor) mostra o surgimento dos sentimentos em detalhes, da descoberta da paixão até a decepção contínua e o desespero de sua dolorosa cena final. Em conjunto, o elenco de Me Ame com Ternura estabelece uma relação com o público baseada na verossimilhança em tudo que é dito.
Com um ritmo preciso indo até as derrapagens de momentos duros até as muitas emoções em cada novo encontro, Me Ame com Ternura é uma produção de rara singularidade ao tratar como o desarranjo da confiança pode destruir a construção de uma base de orientação. Uma maneira pouco vista de tratar a homofobia e a condição feminina nesse lugar, que o cinema geralmente apresenta em lugar libertário, e aqui representa o apagamento de uma constituição recém formada. É um fundo do poço emocional que nunca deixa de provocar um caráter reflexivo em torno do que nem imaginamos perder quando nossa liberdade fala mais alto.
Um grande momento
A despedida entre Clémence e Sarah


