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Mussum, o Filmis

(Mussum, o Filmis , BRA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Silvio Guindane
  • Roteiro: Paulo Cursino
  • Elenco: Ailton Graça, Cacau Protásio, Neusa Borges, Yuri Marçal, Thawan Lucas, Gero Camilo, Felipe Rocha, Gustavo Nader, Vanderlei Bernardino, Cinnara Leal, Mary Sheila, Édio Nunes
  • Duração: 115 minutos

A primeira imagem a que temos acesso em Mussum, o Filmis é a de uma das milhares de esquetes protagonizadas por Antônio Carlos Bernardes Gomes, um dos maiores humoristas que o país já teve e que recebe uma justa homenagem do Cinema, um dos lugares onde reinou durante 20 anos. A produção, a estreia de Silvio Guindane atrás das câmeras, utiliza um recurso bem interessante nessa abertura, que abre discussão para muitos debates internos. A cena é apresentada como uma captação da imagem de uma TV antiga de tubo, que abre seu quadro para o recorte cinematográfico inteiro fulscreen quando a esquete se encerra, trazendo uma provocação imagética que conversa com a tradição de um cinema brasileiro recente. 

Esse olhar, de uma ideia de produções com poucos diálogos com preocupação de imagem, criação de plano, que é uma constante do cinema popular brasileiro, justamente ao negar-se o afastamento com a linguagem televisiva, é uma alfinetada que Guindane realiza em sua estreia. Mussum, o Filmis poderia se utilizar desse recurso, caso fosse produzido pelos ‘suspeitos de sempre’ da área, mas o filme quer provocar essa discussão eterna entre o que o público recebe como receita tradicional e o que pode ser apresentado a ele, com mais requinte do que a tv ainda apresenta. Ao tirar da frente da imagem a luz branca direta e tentar realçar na fotografia de Nonato Estrela sua capacidade de rebuscamento, o filme ganha uma liberdade do veículo que ajudou a popularizar seu astro. 

É uma solução que o filme repete algumas vezes, o que reforça sua intenção de discutir esse lugar onde o cinema brasileiro de caráter popular insiste em se colocar, de menor ambição estética, e do quanto isso seria uma decisão antiquada e elitista. Mussum, o Filmis tende a procurar um afastamento ao tratamento dado à biografia, que é um gênero que costuma oferecer pouco ao espectador, em matéria de invenção de quadro. Esse pensar cinematográfico vai de encontro ao que o filme pretende enquanto narrativa e o choque é inevitável: Guindane segue para um lado, o roteiro de Paulo Cursino, muito cartesiano, para outro. O resultado desse encontro parece atender a dois “patrões” diferentes, um com ideias criativas e o outro mais quadrado. 

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Se em Meu Nome é Gal o excesso de ideias e a vontade de ousar acaba por aprisionar a personagem, e em Nosso Sonho a proposta do título invade cada segundo do filme e o transforma na melhor vertente do gênero na temporada, Mussum, o Filmis não consegue fugir à sua vocação tradicional. O diretor estreante imprime uma marca delicada no que captura em cena, e o filme se afasta da comodidade estética, mas o roteiro puxa a narrativa para seu certame mais básico – infância, adolescência, consagração, ascensão e queda; esses dois últimos, ligados ao emocional do protagonista. De alguma forma, o que é ofertado imageticamente ao espectador, é retirado do ponto de vista do roteiro, que comete os erros mais primários na tentativa de compreender alguém. 

O filme é reducionista nos conflitos, não trata bem o entorno de Mussum, sejam tais eventos famosos ou anônimos, apresenta personagens e se dedica a eles (ou não) para depois sumir com os mesmos. É uma lista de problemas que não está apenas aqui, e sim uma regra implícita do que seria uma biografia tradicional; ao não organizar um recorte temporal de sua narrativa, qualquer filme parece um resumo corrido de algo. Estamos diante das recorrentes situações envolvendo qualquer produção, maior ou menor, porque a tentativa de apreender em duas horas uma personalidade, só tende a suprimir seu olhar. A essência do protagonista está inteiro em cena, mas isso não apaga o que está sendo tomado de Mussum, o Filmis, ao impedir seu crescimento. 

Os donos do show são absolutamente Ailton Graça e dona Malvina, ou seja, Cacau Protásio e Neusa Borges. O espetacular desempenho do primeiro era esperado, e Ailton impressiona há mais de 20 anos; sua presença em Carandiru já demonstrava o que temos certeza hoje, que seu talento é subestimado até hoje. A encarnação que ele entrega de Mussum é de muita entrega e compreensão, sem tentativa de cópia. Já Cacau e Neusa dividem a mesma personagem com brilho igual, entre juventude e velhice; enquanto a primeira tem a bela cena quando se encanta com o lápis e o papel, a segunda tem um discurso tão potente que Guindane entendeu que era só ligar a câmera no seu rosto, o resto é feito pelo talento da atriz. Três atores a quem o mundo não foi justo, tem um momento de brilho maior graças a uma biografia; até isso é uma tradição do gênero que Mussum, o Filmis abraça. 

Ao fim, mesmo sabendo não tratar-se de uma biografia dos Trapalhões, o filme consegue emocionar mais quando mostra seus quatro integrantes juntos, em cenas que já clássicas aqui reproduzidas (Clara Nunes e Maria Bethânia, uma vez mais imortalizadas). Quando a trilha da abertura do programa toca em cena, e as crianças correm da rua pra casa, isso resgatou uma infância que com certeza não foi só minha. É nesse momento que o filme deixa claro que sua burocracia narrativa não foi capaz de apagar o tanto de emoção que está impressa na gênese de Mussum, o Filmis e do seu protagonista, um artista maior que sua homenagem, como tradicionalmente acontece. 

Um grande momento

Mussum e sua mãe no hospital

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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