(Natimorto, BRA, Ano)
Quem achava o ambiente do antiquário criado por Lourenço Mutarelli em O Cheiro do Ralo estranho, vai precisar rever os seus conceitos depois de conhecer o quarto de hotel onde o casal de Natimorto resolve passar os dias conversando e fumando.
Talvez, como no primeiro caso, nem seja o lugar em si, mas a aura criada pelo estranho casal, formado por um caça-talentos contador de histórias assexuado e uma cantora recém chegada na cidade, suas nuvens de fumaça e a taromancia praticada com as figuras que ilustram o verso dos maços de cigarro.
Baseado no livro homônimo de Lourenço Mutarelli, também autor de O Cheiro…, o filme é uma metáfora deliciosa sobre todos os relacionamentos e a loucura, literal no caso, de tentar viver junto com alguém que não seja si próprio. Encantamento, dedicação, dependência, ciúme, falta de espaço, espera, frustração, cansaço, raiva e obsessão são claras referências às etapas de uma experiência a dois.
Com um roteiro afinado, cheio de diálogos de impacto e muitas entrelinhas a serem lidas e preenchidas pelo espectador, o longa tem um bom ritmo e consegue despertar a curiosidade de quem o assiste, embora incomode alguns e chegue a cansar em alguns momentos.
Simone Spoladore está maravilhosa como a cantora e consegue mesclar bem a inocência e a liberdade de sua personagem, além de estar sempre linda em cena. Seu companheiro, Mutarelli, depois de sua participação em O Cheiro do Ralo e outras tentativas, é sem dúvida quem mais conhece a figura estranha que interpreta mas, apesar de muitos bons momentos, não consegue demonstrar segurança sempre.
A direção de Paulo Machline sabe como ser permissiva e exigente ao mesmo tempo e conduz bem a diferença entre estes dois atores de carreira tão diferentes. Além de se aproveitar muito bem de uma outra participação que merece ser citada, ainda que não seja tão grande: a de Betty Gofman como a ex-esposa surtada.
A fotografia do filme de Lio Mendes da Rocha, perfeitamente granulada, segue a trilha da loucura do protagonista e chama a atenção com as brincadeiras com luzes, sombras e cores, sem falar nas brincadeiras com as próprias cartas de tarô. Junto com a imagem, a trilha sonora de Érico Theobaldo é fundamental para criar aquele ambiente tão surreal.
É sempre bom ver um bom texto, com boas atuações, a arte privilegiada e o apuro técnico associados a uma mensagem interessante. E, por mais que dê trabalho entrar na viagem de Machline e Mutarelli, vale o valor da passagem.
Para ser visto e digerido posteriormente. Quem não gosta de nonsense deve manter uma distância segura.
Parece que foi um dos que mais te agradou desse Festival até agora, não? Geralmente gosto desses filmes nacionais diferenciados, sem falar que a Spoladore é ótima.
Costumo gostar de nonsense. Talvez este aí funcione comigo.