- Gênero: Documentário
- Direção: Daniel Roher
- Duração: 96 minutos
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Aleksei Navalny é um aguerrido opositor ao governo de Vladimir Putin, denunciando as atrocidades cometidas pelo presidente na cadeira maior da Rússia há mais tempo do que qualquer país suportaria. Hoje com 46 anos, o advogado por formação acabou entrando para a política após as denúncias que promovia em seu blog contra as estatais russas, e que acabam por fazer dele um inimigo natural de qualquer propenso ditador. Sua situação se tornou insustentável após uma tentativa de homicídio por envenenamento durante uma viagem à Sibéria, que ele investigou por meses após sua recuperação. Navalny, um dos indicados ao Oscar de documentário deste ano e o provável favorito, é uma tentativa de mapear rapidamente sua luta, suas intenções e esses eventos trágicos que marcam sua tentativa de livrar seu país de um Estado autoritário e corrupto.
Seu diretor tem apenas 30 anos, mas não podemos chamá-lo de revelação, creio. Daniel Roher vem de uma extensa carreira como curta-metragista, e está aqui em seu terceiro longa, sendo multiplamente premiado e endossado por uma narrativa que interessa mais como jornalismo do que necessariamente como cinema. Não faltam méritos aos seus esforços enquanto capitão de tal empreitada, na condução das entrevistas e na elaboração de seus temas. Navalny, no entanto, tem uma estrutura muito confortável e que o cinema estadunidense busca com frequência em documentários, sem expandir suas capacidades narrativas ou imagéticas, que perdem em comparação a cinematografias que exploram de maneira mais inventiva as capacidades do gênero.
Ao contrário do que é visto nos outros quatro companheiros de categoria onde está indicado (e onde apenas um é totalmente estadunidense), Navalny pega essa relevante trajetória do nosso tempo e a encarcera em uma estrutura convencional. São materiais de arquivo jornalístico, entrevistas e aberturas de telejornais, e as indefectíveis ‘cabeças falantes’, que são muitas vezes bastante gratuitas. O que acaba por elevar seu resultado é a personalidade de Aleksei Navalny, que se embrenha por todas as brechas possíveis. No contexto apresentado do que se revela cinematográfico, a produção encontra pouco respiro e liberdade para evolução; nas mãos e voz do retratado, temos a descoberta de uma figura ímpar, e polêmica.
Navalny é um ser humano, com uma camada pouco heroica, e o filme pincela com muita sutileza esse lado menos espetacular do homem. Infelizmente Roher estava com o pano prontinho para passar e deixa por baixo das discussões principais algo que racharia sua imagem, carregando seu personagem de ambiguidade. Intrínseco ao que ele tenta denunciar, também está nesse mesmo espírito uma base de fundo igualmente monstruosa, que ecoa no espectador sem alcançar prosseguimento que revele mais. É tão breve que não consegue promover uma nova perspectiva, não sobre quem o protagonista é de fato, mas de como ele pode ser visto e reverberar. Seria um contraponto muito suculento, que não mudaria a estrutura fílmica da obra, mas colocaria pontos dissidentes em uma narrativa clássica. O que vemos é um ponto fora da curva, mas que se investigado poderia revelar ainda outras possíveis contradições.
Navalny abriga, entre as tensões compactadas pela realidade de tudo que ocorreu, ao menos uma decisão conjunta com os personagens do filme de forte impacto, a investigação detalhada da tentativa de homicídio, e o que Navalny e sua equipe criam na tentativa de indiciar seus algozes. Parece pouco para uma história cujo personagem tem muitas ambições, e que em grande parte, são admiráveis. O longa emprega esse bloco de eventos com alguma inteligência, e bastante bom humor, uma marca de Navalny, um homem cujo carisma parece inabalável. Essa é a forma como o documentário alça voo, que poderia ser mais constante, mas garante ao todo que sua relevância não está perdida em um projeto propenso a pouca criatividade estética, apenas.
Também a relação entre Navalny e sua esposa, Yulia, que poderia render um material afetivo e próximo, não consegue se desvencilhar do tema, que ele acredita ser único: o envolvimento de seu personagem central com sua luta política. Não faltaram momentos de relevância que poderiam ser desenvolvidos de maneira mais complexa, como os afetuosos passeios alemães à sombra de um socialismo que lhes diferencia (as maçãs das árvores). Outros detalhes, que dariam profundidade maior às suas características, e poderiam transformar nossa visão, são abnegados; a intenção é concentrar mesmo Navalny em uma batalha de Davi contra Golias, sem saber muitas vezes a diferença de tamanho entre eles. O intento é conseguido, mas suas ausências tornam o filme menos potente do que ainda poderia ser.
Um grande momento
Os telefonemas