Drama
Direção: Julian Schnabel
Elenco: Willem Dafoe, Rupert Friend, Oscar Isaac, Mads Mikkelsen, Mathieu Amalric, Emmanuelle Seigner
Roteiro: Jean-Claude Carrière, Louise Kugelberg, Julian Schnabel, Rupert Friend
Duração: 110 min.
Nota: 7
Logo no início de Basquiat – Traços de uma Vida (1996), primeiro filme de Julian Schnabel, o protagonista, Jean-Michel Basquiat (Jeffrey Wright), faz referência à condição de maldito de Vincent Van Gogh, sua transformação em modelo para inúmeros artistas marginais posteriores e o receio corrente no mundo da arte de repetição do erro de não reconhecimento em vida de um grande gênio. Pouco mais de vinte anos depois, com No Portal da Eternidade, Schnabel enfim torna Van Gogh personagem central de seu cinema.
É interessante, aliás, cotejar essa reflexão de Basquiat com um diálogo chave do novo filme, entre o pintor holandês (Willem Dafoe) e um padre (interpretado por Mads Mikkelsen). Questionado pelo religioso sobre a suposta feiura de seus quadros e o fracasso comercial que o condena a sempre viver às custas do irmão Theo (Rupert Friend), Van Gogh especula ter nascido na época errada e prevê uma possível valorização futura de sua obra. Soa mais como um comentário a posteriori de Schnabel sobre a extemporaneidade do artista do que como algo que ele de fato tenha dito naquele contexto. De toda forma, essa é uma das melhores cenas de No Portal da Eternidade, por revelar um protagonista lúcido de sua inadequação, confrontado por um porta-voz do status quo.
O filme é atravessado por trejeitos visuais modernistas, aos quais Schnabel recorre com o objetivo de concretizar em cena a confusão mental de Van Gogh. Repetidamente o diretor movimenta a câmera pelo corpo do pintor e o enquadra em ângulo holandês; utiliza planos subjetivos e filtros na fotografia de modo a turvar o olhar do protagonista ou mergulhá-lo em cores recorrentes nos seus quadros, especialmente o amarelo.
Trata-se, portanto, de uma cinebiografia pouco convencional esteticamente – e também no que concerne à narrativa, já que, além de eleger um recorte muito preciso da trajetória do artista (os anos finais na França), Schnabel opta por não filmar a célebre automutilação (elipsada numa tela preta e depois somente citada) e por deixar sua morte muito mal explicada, fruto de um aparente acidente envolvendo dois garotos (tese apresentada em biografias recentes e que rompe com a versão consagrada do suicídio).
Considerando a inquietação e a marginalidade de Van Gogh no ambiente artístico de fins do século XIX, tais escolhas são bastante coerentes. Mais que as de sua outra grande cinebiografia, Sede de Viver (1956), de Vincente Minnelli, filme classicista e melodramático que acompanha a vida do pintor desde sua experiência como missionário religioso, com pouco mais de vinte anos. No entanto, curiosamente, o olhar de Minnelli não perde em potência dramática para o de Schnabel. Ambos são muito eficientes na construção de um personagem trágico, de extrema sensibilidade e fragilidade. E por não produzir o estranhamento de No Portal da Eternidade, Sede de Viver, realizado por um mestre da Hollywood clássica, consegue ser até mais comovente. Já Schnabel faz um filme mais lúgubre e melancólico.
Um componente importante desse estranhamento é a presença de Dafoe como Van Gogh. Pela idade que distancia intérprete e biografado (o primeiro já passou dos sessenta, o segundo morreu com trinta e sete), mas também pela própria figura do ator, frequentemente associada à vilania (ele esteve muitas vezes em papéis do tipo), o Van Gogh de No Portal da Eternidade convence mais imediatamente como um marginal social que o de Sede de Viver, interpretado pelo galã Kirk Douglas – que, não obstante, foi bastante competente na desconstrução dessa imagem, dando vida a um homem tragicamente atormentado pela busca por identidade própria.
Um Grande Momento:
A conversa com o padre.
Links
https://www.youtube.com/watch?v=IsHf7X8N3Rc
[Festival do Rio 2018]