- Gênero: Drama, Ficção Científica
- Direção: Johan Renck
- Roteiro: Colby Day
- Elenco: Adam Sandler, Carey Mulligan, Paul Dano, Kunal Nayyar, Lena Olin, Isabela Rossellini
- Duração: 100 minutos
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Não é segredo para ninguém que durante mais de uma década quem vos escreve declarava a profunda alergia que teria com Adam Richard Sandler, ator, comediante, roteirista, produtor, dublador e músico nova iorquino nascido há mais de 57 anos. Há 30 anos atrás, o cinema começava a ser sua principal fonte de renda, e da simpatia inicial gerada por títulos como Os Cabeças de Vento e À Prova de Balas, seguiu-se uma filmografia atolada de Billy Madison, O Rei da Água, Little Nicky, O Paizão e inúmeras outras tragédias. Precisamos agradecer a Paul Thomas Anderson por ter enxergado no astro cômico pela primeira vez seu potencial dramático, no inesquecível Embriagado de Amor. Literalmente tudo mudou, e hoje estreou na Netflix O Astronauta.
Pela primeira vez, eu consigo dizer algo como farei agora: o grande motivo para assistir a produção dirigida por Johan Renck é Sandler. Com os mesmos 57 anos de seu ‘frontmen’, Renck está no segundo longa, e o primeiro tem 16 anos de lançado, o tão interessante quanto esquisitão Distúrbios do Prazer. Essa estranheza volta a ser acessada aqui em O Astronauta, baseado em livro de Jaroslav Kalfar – que parece ser ainda mais bizarro. Nem sempre é fácil se deixar ser absorvido pelo que o filme está contando, que nem é a coisa mais original já escrita (muito menos é incompreensível), mas quem puxa absolutamente todos os méritos para si é a interpretação cheia de sentimento de Sandler. Nos colocando no ponto exato onde seu personagem precisa estar, poucas vezes o ator acessou mais sua carga sensível.
Sandler tem escolhido a dedo seus projetos mais sérios, e eles têm tido constância cada vez maior em sua carreira. Após assinar contrato com a Netflix (e conseguir salvar uma carreira que parecia naufragando) e retornar à popularidade de outrora, o ator mostra aqui que consegue ir além do que seus diretores têm a oferecer. Trabalhando com Anderson, Jason Reitman, Noah Baumbach e os irmãos Safdie – sua performance em Joias Brutas segue sendo seu ponto máximo, ainda que hoje sobrem opções para a conferência de seu talento -, Sandler tinha à sua disposição também a segurança de autores que falavam por si só, independente da companhia de seus elencos. Em O Astronauta, o ator encontra um veículo de relevância para si, até se descolar do projeto e conseguir um voo que o suporte independente do lugar onde está, pela primeira vez na carreira. Isso é algo que acontece comumente em carreiras de grandes intérpretes; com ele, é a primeira vez.
Isso não significa que O Astronauta é um filme descartável. Ficção científica filosófica que bebe nas fontes esperadas de Kubrick e Tarkovski, com muitas semelhanças de discurso entre as obras desses mestres, olhando para a solidão do espaço como uma forma de refletir sobre crises existenciais presentes na sociedade ao longo dos tempos, o roteiro de Colby Day não se esforça para ir além do que já poderíamos esperar, tendo uma bagagem mediana de incursões cinematográficas. O que vemos de novo é a forma como o retrato da “consciência” tomou dessa vez – uma espécie de aranha gigante que passa a dividir com o protagonista o espaço na nave. Dito isso, uma história de amor aos fiapos que se ressente de dedicação é o que está em cima da mesa aqui, onde Carey Mulligan ocupa o lugar que Kate Winslet desempenhou em Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças.
É um projeto com algum brilho estético, cuja reta final é assolada enfim pelo show de efeitos especiais que se espera de uma produção que se passa 70% do tempo em uma estação espacial solitária. Incomoda um pouco que o filme divida tanto tempo com a história de Lenka, coisa que parece ter sido feita pelos tempos politicamente corretos; talvez incomode principalmente pelo fato de que o roteiro não consegue nos fazer mais interessar pelo dilema de Mulligan, quando a contrapartida é a amizade melancólica entre Sandler e uma aranha tristonha. O Astronauta talvez pudesse ser um pouco mais conciso no que está contando, e manter a mesma linha de qualidade entre as duas narrativas, o que não ocorre com frequência.
O fiel da balança, ao fim da sessão, é a expressão desarmada que Sandler coloca para jogo durante toda a produção. O filme abdica de nomear suas emoções a maior parte do tempo, e o faz sem precisar de coragem. Porque o protagonista de O Astronauta é a plena figura representativa do que ele quer demonstrar, cena a cena. Seu rosto é um manancial de dúvidas, sua expressão corporal transmite tudo o que a pequena Anna o questiona logo no início da projeção. Conforme a narrativa avança, seu repertório vai avançando para nunca deixar escapar as sutis verdades que seu Jakub carrega, e o filme é muito devedor de sua dedicação como ator. Os anos lhe deram a experiência e o cabedal para mergulhar em profundo nas zonas mais sombrias da introspecção, e esse filme é um portfólio seu a esse respeito, sem dever nada a ninguém.
Um grande momento
A pergunta de Anna