Crítica | Streaming e VoD

Re/Member

Pedaço por pedaço

( カラダ探し, JAP, 2023)
Nota  
  • Gênero: Terror
  • Direção: Eiichirô Hasumi
  • Roteiro: Doki Harumi
  • Elenco: Kanna Hashimoto, Gordon Maeda, Maika Yamamoto, Fûju Kamio, Kotarô Daigo, Mayu Yokota, Yasuku Emoto
  • Duração: 102 minutos

Existe uma predisposição do espectador em geral ao encarar um filme de terror, que é encontrar o gênero escancarado em cada curva. Estreia dessa semana na Netflix já com sucesso, Re/Member é uma produção japonesa que não tem qualquer interesse em nos dobrar na direção de convenções. É até um lugar de invencionices que está sendo testado aqui, tipicamente uma ideia que seria concebida em filmes orientais, pelo seu grau de complexidade narrativa. Quando estivermos com a certeza de que tudo já foi apresentado e testado em cena, é o momento de mais uma camada surgir intacta em cena, então é melhor já estar preparado para os sustos em matéria de possibilidades. 

A impressão que temos, ao fim de Re/Member, é que passamos por grande parte dos gêneros cinematográficos, ou ao menos que foi feita uma grande homenagem ao cinema japonês por excelência, nas suas mais variadas vertentes. Ainda que o carro chefe seja de fato o horror, durante sua duração há um passeio por cartilhas distintas que aqui não apenas se encontram, como se reconectam. O diretor Eiichirô Hasumi é bastante experiente, e isso fica claro na sua percepção de como tais elementos permanecem à vontade, mesmo que aparentemente fora de sua zona de conforto. A estranheza, que a princípio se ocupa da narrativa exclusivamente, acaba ocupando parte da forma também, transformando a experiência em algo fascinante – e desconcertante. 

Aos poucos, acabamos por perceber que, se o resultado da expectativa não for de elevação, dificilmente Re/Member irá decepcionar. Adaptado de um ‘mangá’ (e essa origem é perceptível diversas vezes durante a produção, em seus exageros narrativos e seus diálogos muitas vezes beirando o brega, ou ultrapassando essa beira), o filme tem essa mesma energia caótica que arrasta tudo que vê pelo caminho. Parece insuportável, mas as doses aplicadas por Hasumi são sagazes, e nos convence de cada trajetória artística, porque o filme não dissimula nada. Todas as jogadas, ainda que pareçam unânimes em sua trajetória, aqui torcem e criam uma ranhura que é muita característica das obras japonesas mais histéricas, sempre disposta a uma ousadia dentro do formalismo. 

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É daqueles casos onde não poderemos vencer o interlocutor, e o melhor desde sempre é nos juntarmos a ele. Absorver o máximo do que é exposto ali da maneira menos sutil possível, é o ponto de partida para compreender que toda aquela alegoria sobre solidão, depressão e desamparo juvenil, tende a explodir em nós a cada nova camada. Mas é nos momentos mais íntimos que Re/Member, até pelo contraponto, se faz eficiente; quando abandona o risco e se coloca dentro de um lugar mais seco, e mais conectado àquelas relações, que o filme se sobressai. Não são pontos únicos, mas eles vão nascendo à medida que o destempero de suas maquinações precisam de um outro viés de comunicação com a plateia. 

Nem são colocações necessariamente singelas; Re/Member é fruto do ‘over’, então mesmo seu afeto é colocado de maneira espetacular. Mas é uma segunda construção do exagero, o que já configura-se como diferenciado, dentro de uma produção carregada de sentidos. Com isso, o filme nos prepara (sem que percebamos) para mais alguns lances ainda mais nonsenses, em lugares mais agudos – e, com esse arroubo de humanidade prévia, essa camada final quase levando o filme para uma situação com ‘kaijus’ se torna a mais deliciosa possível. É quando qualquer dúvida se dissipa a respeito de intenções sutis; estamos diante de um petardo que poderia ter sido feito como um ‘anime’, sem qualquer alteração narrativa. 

Incluindo a inquietação filosófica, afinal estamos falando de um sexteto que não teria porque estar unido, e só o fez pela necessidade de combater o mal. Quando os personagens de Re/Member recebem a informação de que, mesmo essa amizade construída desaparecerá ao fim da jornada, os questionamentos passam a ser ainda mais complexos. Uma amizade que não seria forjada sem a presença do mal, e que quando a mesma for extinguida, ela também o será. Qual o propósito das coisas, então? Essa é a ideia de plot mais interessante da produção.

Não muito indicado para quem procura uma ideia de cinema mais realista, Re/Member usa as próprias semânticas do cinema do Japão para condensar suas ideias. A organicidade do todo acontece de maneira subjetiva, conforme você conhece mais ou menos os elementos utilizados em questão. Ainda que não seja uma tarefa harmônica, comprar o que está sendo vendido é relativamente fácil, tendo em vista de que estamos diante de um produto cuja diversão vem em primeiro lugar. Estamos falando de terror gore muitas vezes, e de drama lacrimogêneo sem limites, mas Hasumi é um artista de mão cheia. Seus enquadramentos não são apenas bonitos e funcionais, mas tem significado particular. Um trabalho vigoroso e muito mais complexo do que suas muitas cascas querem sugerir, Re/Member te pega pelo pé. 

Um grande momento

A luta final contra o monstro

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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