Crítica | Cinema

EO

Na pele do burro

(EO, POL, ITA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Jerzy Skolimowski
  • Roteiro: Ewa Piaskowska, Jerzy Skolimowski
  • Elenco: Sandra Drzymalska, Isabelle Huppert, Lorenzo Zurzolo
  • Duração: 88 minutos

EO, esse é o nome do protagonista do novo filme de Jerzy Skolimowski (11 Minutos), um burrinho. Aos 84 anos, o diretor polonês parte do mais tradicional do cinema de animais – um ser perdido em busca de sua dona – e se afasta o máximo que pode do seu e de todo cinema, criando uma experiência sensorial incrível. E ter a onomatopeia não só como nome do personagem, mas como título do longa é coerente, uma vez que o som é um dos principais elementos imersivos.

Entre acompanhar e sentir como, o filme segue a jornada do pequeno equino, ora ouvindo e vendo o mundo interagindo com ele, ora sentindo o mundo da mesma forma que ele. A primeira forma permite ao cineasta a criação de quadros imponentes e plasticamente impressionantes, já a segunda o libera a uma gama de passagens criativas, em lentes, filtros, cores e sons. São experiências que se equilibram, não são excessivas, e se encaixam em narrativa, também composta por planos simples e banais.

Do espetáculo circense com toda a sua beleza performática aos assombros de uma natureza cheia de horrores naturais desconhecidos à experiência com os ambientes rurais e urbanos, há uma gama de possibilidades a serem exploradas. As lentes de Michal Dymek (Wolf), diretor de fotografia, percorrem estradas, túneis, bosques, ferros-velhos, manifestações e acompanham até partidas de futebol. Com o EO, é possível vivenciar o mundo de várias formas.

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EO
Aneta Gebska/Filip Gebski

Porém, por mais que se exalte a inventividade estética e ousadia criativa e, sim, o que Skolimowski faz é realmente impressionante e digno de todo o reconhecimento, existe o tema. EO resvala na questão ambiental, e fala diretamente dos maus-tratos aos animais, temas sempre caros, mas é uma história que se aproveita do teor apelativo da mesma maneira que outras de gosto duvidoso com protagonistas de quatro patas. Não importa se a jornada seja mais ou menos direta e nem mesmo o seu desfecho, não há aqui a abordagem de Andrea Arnold, por exemplo. 

A ligação com a dona e os piores momentos de EO, o burrinho, são marcados pelo lugar-comum. Um lugar-comum que chega mergulhado em vermelho, sussurrado, com bordas desfocadas ou iluminado pelos faróis de um carro, é verdade, mas que não deixa de sê-lo. E, aqui falando alto a subjetividade, é um tipo de temática de interesse restrito, cuja simples menção ao tópico, já afasta parte da audiência, por seu teor apelativo e por saber onde tudo aquilo vai chegar, independentemente do seu final. Talvez por isso tenha sido um dos indicados ao Oscar de Melhor Filme Internacional, inclusive. É difícil ver a Academia reconhecendo suas reais qualidades.

Porque, como dito, EO ultrapassa sua história. É uma experiência que testa seus limites a todo instante, determina seu próprio ritmo, brinca com os limites narrativos e de personalidade, rompe com o protagonismo e com a linguagem. Skolimowski é vigoroso e muito habilidoso, e para aquele que presencia todo esse tecido bem tramado de cores, luzes, sons e silêncios não há como sair do filme da mesma maneira que se entrou.

Um grande momento
Na floresta

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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