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Nem um Passo em Falso

Noir presente

(No Sudden Move, EUA, 2021)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Steven Soderbergh
  • Roteiro: Ed Solomon
  • Elenco: Don Cheadle, Craig muMs Grant, Brendan Fraser, Benicio Del Toro, Julia Fox, Kieran Culkin, Amy Seimetz, David Harbour, Noah Jupe, Lucy Holt, Claudia Russell, Katherine Banks, Lauren Rys Martin, Frankie Shaw, Jon Hamm
  • Duração: 115 minutos

Steven Soderbergh alcançou um patamar muito alto na carreira muito jovem. Quanto diretores ganharam a Palma de Ouro em Cannes na sua estreia na direção? sexo, mentiras e videotape nasceu clássico e 11 anos depois, o Oscar de direção por Traffic faria sua carreira não estabelecer tão alto que… ele decidiu se divertir. Nem um Passo em Falso é um novo exercício de gênero do diretor, que já dirigiu hits, filmes provocativos, mais ou menos densos, mas sempre aparentando estar curtindo muito seu ofício, sem qualquer preocupação maior do que levar uma versão particular para um cinema que julgamos ultrapassado.

Aqui ele investe no noir em uma de suas vertentes mais clássicas, aquela onde uma dupla de bandidinhos resolve dar um golpe nos peixes graúdos e acaba envolvendo todos à sua volta em um grande esquema de corrupção, lavagem de dinheiro, derramamento de sangue, belas mulheres (umas mais fatais que outras) e um macguffin no alto do bolo – no caso, um documento secreto que muitos querem e nem os protagonistas sabem direito do que se trata. É uma grande salada de referências estéticas e narrativas em uma propaganda do diretor dos seus dotes enquanto contador de histórias, do seu círculo de amizades e do parque de diversões em que se transformou sua experiência com o cinema.

Nem um Passo em Falso

Sua admiração pelo formato tradicional do cinema americano tem feito suas experimentações divididas entre dois blocos, o tradicional e o radical. No segundo caso, câmeras digitais, filmes-monólogos, planos sequência e diminuto elenco costumam ser suas zonas de interesse. Nem um Passo em Falso faz parte da outra categoria, uma não menos instigante por parecer mais convencional. Isso porque Soderbergh usa a base de seus argumentos para criar um mundo tão artificial quanto referencial, contribuindo para uma sincera homenagem ao cinema de outrora, sem deixar de registrar suas marcas autorais; esse universo do faz de conta com que o diretor acabou por se afeiçoar não o impediu de criar alguns toques característicos que o marcam, tais como o elenco repleto de astros e amigos, a narrativa múltipla e o arrebatamento técnico provocado.

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Em torno da produção, paira uma desconfiança constante de uns personagens com os outros, todos parecem capazes de trair a qualquer momento, e a grande angular entra como uma incitação estética, como se fosse necessário que olhássemos para todos os lados da imagem para captarmos todos os cantos de onde podem vir, subitamente, a surpresa narrativa, como se fora uma câmera de segurança cuidando e acobertando a todos. O plano holandês também é recorrente no filme, geralmente em momentos de embate – o que é uma constante – além da luz do estreante Peter Andrews, geralmente difusa e enevoada. Todos esse elementos tendem a transportar o espectador ao mesmo tempo para o futuro e para o passado, quando recria uma ideia clássica do cinema e o associa a um tempo de vigilância ininterrupta, ou seja, o nosso.

O clímax do Nem um Passo em Falso também se apropria de planos remetentes ao western americano e seus duelos tradicionais, com grupos separados nos planos por lados específicos, em oposição. Menos do que se imagina, não há um desencontro de ideias, e sim uma confluência, já que os códigos parecem se unir para criar uma linguagem particular concebida pelo autor, que é um híbrido do que mais puro o cinema produziu em seus primórdios, que o roteirista Ed Solomon traduz sem concessões para o entendimento do público. O conceito é como cair de paraquedas na narrativa, captando aos poucos como se situar naquele labirinto, ou seja, mais uma vez remetendo ao aspecto testemunhal que o público precisa captar para usufruir o melhor da produção.

Do imenso elenco chamam atenção o sumido Brendan Fraser, que reaparece muitos quilos acima, e a participação especial não creditada que vale a pena se surpreender com a aparição, tão surpreendente quanto fora de série. No geral, estão todos bem integrados com atmosfera do passado emulada por Soderbergh, que ainda encontra espaço pra remeter a eventos reais a respeito da indústria automobilística e ao boom imobiliário, além de obviamente versar sobre o machismo e a misoginia tão comuns no noir, aqui desconstruídos e reciclados por esse artesão em busca de novos passeios em sua montanha russa cinematográfica.

Um grande momento
O restaurante

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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