Crítica | CinemaDestaque

O Dublê

Tiro, porrada, bomba e... ah!, o amor...

(The Fall Guy , EUA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Aventura, Comédia Romântica
  • Direção: David Leitch
  • Roteiro: Drew Pearce
  • Elenco: Ryan Gosling, Emily Blunt, Aaron Taylor-Johnson, Hannah Waddingham, Winston Duke, Teresa Palmer, Stephanie Hsu
  • Duração: 120 minutos

Todos os leitores e cinéfilos com mais de 40 anos, ao menos ouviu falar de Duro na Queda, uma série produzida pela tv americana entre os anos 1981 e 1986, e exibida na Rede Globo entre 1983 e 1989, sobre um dublê de cinema que investigava crimes relacionados ao seu universo. Apesar de ser estrelada por Lee Majors, hoje a série caiu no esquecimento, e lembrar da série é investigar o fundo de uma memória que não a manteve, já que tratava-se de uma obra descompromissada e sem peso dramático. Será que daqui a 40 anos estaremos falando debatendo O Dublê, super produção baseada na série que abre o verão estadunidense e estreia simultaneamente nos cinemas do mundo todo? Só o tempo dirá, mas o que podemos trazer sobre o agora é que o novo filme dirigido por David Leitch carrega a sensação de nos fazer olhar para o futuro, e gostar dele. 

Faz sentido que Leitch seja o diretor e idealizador desse projeto, tendo em vista que ele é mesmo de uma linhagem de dublês que estão indo para o outro lado das câmeras com seus projetos – vide Chad Stahelski, e a franquia John Wick do qual Leitch é produtor. Sua estreia na direção segue sendo seu filme mais autoral e rebuscado graficamente, Atômica (e também o seu melhor). Mas se Trem-Bala não foi bem recebido como merecia, seu O Dublê conquistou a crítica antes que o público, e o coloca nesse lugar invejado e simbólico da indústria de ser o primeiro lançamento de maio, que nos últimos muitos anos pertenciam a séries já estabelecidas, a maior parte delas vindas do MCU. Seu filme não só quebra um esquema que já deveria ter tido sua queda, como o faz da maneira mais divertida possível. 

Escrito por Drew Pearce, O Dublê é também um produto com outras tarefas além de entreter a plateia por mais de duas horas, e essa é mais burocrática. O sindicato dos dublês já se movimenta há anos para ter sua atividade mais respeitada, ter suas requisições ouvidas e seu pedido por visibilidade atendido. Em uma indústria cinematográfica onde o gênero mais rentável pede o trabalho deles ininterruptamente, nada mais óbvio que cada uma de suas vozes seja ouvida. Incluindo a provável criação da categoria de melhor direção de dublês em breve dentro da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, vulgo o Oscar. Para quem está por dentro dessas reivindicações da classe, O Dublê nem tenta esconder suas ambições, de celebrar e propagar a atividade da maneira mais eloquente que conseguir. 

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O resultado de um filme com tantas responsabilidades, se parece aqui e ali explícito demais no que pretende, também compensa isso tudo com um deleite de diversão e pirotecnia em esquema crescente, indo da aparente modéstia até o final com requintes de espetáculo. Como Leitch não é dado ao minimalismo, sabemos que tudo o que estamos vendo chegará a um grau de grandiosidade em algum momento. Chama a atenção que ele vá crescendo, ao invés de jogar suas armas em cima da mesa logo. Conforme avança, entendemos o porquê das escolhas de andamento, ritmo e cadência e identificamos como algo fora do comum indicava uma mudança no horizonte, para trazer de volta com força total o impacto da comédia romântica. Isso ocorre quando nos damos conta que, por baixo do que está sendo vendido em escala, uma história de amor até bem sincera é construída ali. 

E como considerado, uma comédia romântica precisa do talento, do carisma e da química entre o casal protagonista para se fazer valer, Ryan Gosling e Emily Blunt dão e vendem os três elementos, juntos ou separados. O Dublê embala essa história com tamanha destreza, que passa a ser exatamente esse o centro do interesse do roteiro do filme. Para além do acabamento fino que a direção de Leitch congrega às cenas de ação cada mais crescentes, é o envolvimento entre os protagonista que embala as emoções do filme, que garante a trilha sonora perfeita (com direito ‘Against All Odds’ do Phil Collins cantada em karaokê) e a torcida do espectador. Em determinado momento, todos os caminhos parecem apontar para a solução do imbróglio romântico à frente do universo policial, que é propositadamente ingênua. 

Tirando a grandiloquência do maior orçamento que já teve em mãos, tudo acaba carregando O Dublê para o encontro com o período onde a série era ambientada. Então sim, é uma homenagem ao cinema de maneira ampla (a quantidade de filmes citados verbalmente é acima do normal), aos profissionais que criam o que não vemos, uma alfinetada certeira na inteligência artificial, mas também um banho de nostalgia. De repente, parece que estamos de novo assistindo a Sessão da Tarde, com Gotcha! Uma Arma do Barulho ou correndo junto de Richard Grieco (alguém lembra???) em Espião por Engano. Mais do que um acerto do campo técnico, é mais uma embalagem que parece nos carregar para a infância sem escalas, e pensar num mundo sem apetrechos – mesmo, aqui, com os efeitos especiais e os profissionais que lá, nem existiam ainda. 

Um grande momento

Dois – ‘I Believe in a Thing Called Love’ e A DR, com os alienígenas de testemunhas

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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