Crítica | Streaming e VoD

Luther: O Cair da Noite

Em campo conhecido

(Luther: The Fallen Sun, RUN, EUA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Policial
  • Direção: Jamie Payne
  • Roteiro: Neil Cross
  • Elenco: Idris Elba, Cynthia Erivo, Andy Serkis, Dermot Crowley, Thomas Coombes, Hattie Morahan, Lauryn Ajufo, Vincent Regan, Ross Waiton, Einar Kuusk
  • Duração: 123 minutos

Luther é uma série britânica iniciada em 2010, que deu status de estrela a Idris Elba, e inúmeros prêmios por sua performance. A estreia de Luther: O Cair da Noite, maior estreia da Netflix esse mês, coloca o crítico que vos escreve em situação delicada: eu nunca assisti a um episódio sequer da série que deu origem ao longa. Confiando nos instintos (e na informação de que a diversão ainda estaria garantida, e que a conexão entre os produtos não era tão indispensável assim), encarei a missão e o resultado é a impressão de que sim, perdi algo, mas o programa não foi completamente comprometido. Como se imagina de um spin off, as proporções aqui estão elevadas e o resultado é um thriller policial eficiente. 

Não tenho criar uma trilha de comparação, não tenho parâmetros para julgar a encarnação passada de John Luther, mas o que posso categorizar a partir da produção que estreou ontem é a vontade de fazer maior que os padrões. Hoje, esse gênero que já foi tão feito, coisas como Seven e O Colecionador de Ossos estão escassos, e grandes atores já não se envolvem com produções assim, salvo um Denzel Washington aqui e um Liam Neeson acolá. Aqui, a escala é maior do que é dedicado a essas produções hoje, o que acaba agregando um valor de mercado acima da média à produção; na narrativa, no entanto, as coisas são bem pouco diferentes ao que sempre vimos, e aqui não se importam de reciclar. 

Luter: O Cair da Noite
John Wilson/Netflix

O que fica na superfície é esse apreço pelo vazio que a violência acaba proporcionando, em determinado momento. O que seus personagens buscam é inanimado, não tem substância, e isso por si só acaba tendo uma lógica particular. Não há um motivo mais elaborado para que os eventos mostrados aconteçam, que não a capacidade de realizá-los e mostrar-se capaz. Se não temos nesse lugar uma grande elaboração psicológica, nasce dessa ausência a própria motivação – literalmente fazer, se desafiar, colocar a mão na massa e executar. Não há bem uma intenção de fuga – pra mim, vilão de filme sempre quer ser pego, em maior ou menor grau, pois só ali ele pode declamar seu monólogo doentio – mas sim uma elegia da sua capacidade de planejamento e execução. Doentio, como dito. 

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Jamie Payne dirigiu episódios da série, e Neil Cross é o criador da mesma, então creio que exista algum grau de progressão e coerência no que está sendo exposto. Sozinho, é um material elegante, com alguma violência – mas nada fora do comum, como espectadores e manchetes mais sensíveis sugerem – e trabalho interessante quanto aos seus números. São muitos cenários diferentes, cenas com ambientação marcante, desde uma crescente de tensão no Piccadilly Circus até o clímax na Noruega, passando por uma perseguição nos subterrâneos dos trilhos londrinos. Tudo é carregado de uma opulência cênica que não está presente com frequência fora de produções como as de James Bond e séries de ação vertiginosas como Missão: Impossível, o que coloca Luther: O Cair da Noite em campo chamativo. 

Luther: O Cair da Noite
John Wilson/Netflix

Elba está literalmente em casa, percebemos como ele conhece aquele homem do avesso, sabe a postura, sabe o olhar, entende o cansaço e o desespero de quem já viveu tudo por ali. Ele é o grande vetor de Luther: O Cair da Noite, mas não é o único, porque o filme, apesar de não se apropriar de novas formas de contar essa mesma história, é charmosa o suficiente para justificar nossa atenção. É um quadro narrativo emperrado, com o tradicional jogo de gato e rato, alguma crueldade e um elenco interessante, que sabe trocar bem. No fim das contas, é um produto genérico que funciona como um passatempo de grife, com um certo pedigree no material estético, mas nada que mude o audiovisual, ainda que repleto de grandes cenas, com belas coreografias. 

É isso, talvez Luther: O Cair da Noite seja um filme de expressão corporal, de aposta na corporalidade e em uma expressão cênica que vem do domínio dos atores com sua massa. Ao menos no que concerne Elba, é o corpo que fala – sobre dor, sobre abuso, sobre esforço, sobre o tempo. Mesmo o Andy Serkis, pessoa que nos acostumamos a não ver, está finalmente usando não apenas seu corpo aqui, mas também seu rosto. Juntos, eles movimentam esse filme que pensa nas estruturas do espaço e nas localizações também pedindo atenção pro que eles têm em fisicalidade, dando uma rasteira no que é concreto e subvertendo a busca essencial por trás do que vemos.

Um grande momento
A casa em chamas

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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