Crítica | Outras metragens

O Rei David

Reaprendendo a ser

(Le roi David, FRA, 2021)
Nota  
  • Gênero: Ficção
  • Direção: Lila Pinell
  • Roteiro: Lila Pinell
  • Elenco: Eva Huault, Sarah Djourou, Anaïs Hamache, Agnès Host, Charlène Aline
  • Duração: 41 minutos

Shana está quebrada. É, agora e por enquanto, aquilo que sobrou de uma relação tóxica. Em um mundo onde outras tantas questões, suas e de todos, a excluem, ainda há a violência nem sempre compreendida ou enxergada para ser superada. O curta-metragem O Rei David, de Lila Pinell, fala da jornada dessa mulher à margem da sociedade e tenta encontrar uma representação para essa idealização do que destrói comum a todas que passam pelo mesmo que sua protagonista.

Acompanhamos Shana, numa interpretação incrível de Eva Huault, em uma sucessão de más escolhas e pequenos golpes pelas ruas de Paris. Ela tem os seus momentos de diversão e descontração, mas também uma ferida sempre aberta e sempre lembrada, como se ela nunca parasse de doer. Não só esta, mas muito por ela, parece não haver meios de seguir. Shana tenta livrar-se de algo que a mantém presa naquele lugar e, como signo, volta em representações que dão uma vida própria a imagens pictóricas que ilustraram a infância da personagem.

O Rei David
ecce films

Pinell tem uma abordagem mais naturalista e gosta de estar sempre próxima de sua personagem, em especial nos momentos onde há maior ansiedade; mas adere a inserções artificiais para representar a imagem idealizada.

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O Rei David acompanha a tentativa de libertação de Shana e sua vontade de entender o que aconteceu, aquele “quem é você e onde está”, mas, nesse ponto de reencontro consigo mesma, assim como acontece com outras vítimas desse tipo de violência, nem ela está preparada para a sociedade e nem a sociedade está preparada para ela. Desentende-se com as amigas, busca conexões com um passado perdido e descontrola-se em explosões de raiva não direcionada. São tentativas de remediar aquilo que não tem solução, ou entender o que não tem explicação.

Sabemos de sua vontade em apagar o passado. Isso se percebe no primeiro momento do filme, quando também entendemos onde ela esteve e de onde está tentando sair. Mais do que a realização de Shana e o seu sucesso ou sorte, O Rei David é sobre compreender o quanto a ruptura é difícil e o quanto uma relação tóxica nos torna reféns, vendo com lentes atenuantes aquilo que não pode ser perdoado, nos colocando em um lugar de isolamento e impondo a dependência, seja ela financeira, psicológica ou emocional. E, o pior, cada uma dessas ações faz com que seja impossível perceber onde se está. A vítima, assim, segue sendo vítima por muito tempo.

Um grande momento
No ônibus

[13º MyFrenchFilmFestival]

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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