Crítica | Catálogo

Oferenda ao Demônio

Pobres judeus...

(The Offering, EUA, RUN, BUL, 2023)
Nota  
  • Gênero: Terror
  • Direção: Oliver Park
  • Roteiro: Hank Hoffman, Jonathan Yunger
  • Elenco: Nick Blood, Emily Wiseman, Paul Kaye, Allan Corduner, Daniel Ben Zenou, Anton Trendafilov, Sofia Weldon, Boyan Anev
  • Duração: 88 minutos

A ideia de ambientar um longa de terror dentro do universo judaico soa minimamente curiosa e original, à primeira vista. Se pesquisar só um pouquinho, descobrimos histórias que relacionam o povo judeu à criação de mitos fantásticos, logo essa junção parece um tanto apetitosa para deixar passar. O resultado dessa ideia acaba se mostrando exatamente como se mostra, o resultado de uma ideia, sem qualquer burilação maior do roteiro, sem um empenho mínimo dos códigos cinematográficos, ou seja, Oferenda ao Demônio. Estreando essa semana nos cinemas brasileiros, o filme pega qualquer expectativa que houvesse com essa jogada e diminui seu resultado até restar bem pouca coisa. 

O filme mostra um casal de jovens pais, grávidos, de volta ao convívio com a família do marido, que é atuante dentro do judaísmo; esse é um dos motivos pelo qual o rapaz foi embora. A moça, na reta final de sua gestação, é recebida com festa pelo avô e pela comunidade como um todo. Logo, coisas que não são segredo para o espectador vêm à tona para o resto dos personagens, e percebemos que todos ali têm seus interesses particulares, incluindo os fantasmas que moram na casa onde o casal chega. Poderia ser mais interessante, se houvesse uma maior preocupação com os tempos do filme e com a narrativa que está sendo desenrolada, que segue aos tropeções, literalmente; nada disso acontece.

Se nos atermos ao que é construído imageticamente, Oferenda ao Demônio é mais um filme que investe nos mesmos tons para retratar os judeus – ocre, marrom, preto, essa é a paleta de cores normal de qualquer filme que se coloque nesse ambiente (evidente que não é o caso de Woody Allen). Acrescido a isso, temos o fato de que o terror já é um gênero que têm apreço por cores mais fechadas, e temos aí um filme de tom único durante quase uma hora e meia. Sem contraste visual no que vemos, uma fotografia que não imprime qualquer personalidade, e temos um produto que parece não fazer questão de seduzir o espectador. O que gera até uma ideia dissonante, afinal o horror é um gênero muito sedutor, e isso não se encontra aqui. 

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O trabalho de áudio do filme é igualmente desastroso e, mais uma vez, isso salta aos olhos, levando em consideração que esse é outro lugar de esperada excelência para a categoria. Em seu lugar, vemos uma equalização irregular, com o trabalho nos diálogos entregue em uma faixa que parece distante do som ambiente, que nunca está empregado corretamente. A trilha sonora de Christopher Young, super requisitado na área e responsável por trabalhos como A Entidade e o remake de Cemitério Maldito, é boa, absolutamente sensorial, pontua bem e com cuidado o clima geral, mas também ela não está em condições de empregar o que se espera de uma trilha de horror, já que sua edição não é a mais adequada. 

Já o roteiro, escrito por Hank Hoffman e Jonathan Yunger (o primeiro, um novato; o segundo, um produtor de filmes ruins metido, que não sabemos se tentou salvar o que era impossível ou o responsável pela ideia desastrosa), é quase indecifrável. A ideia-base é uma coleção de clichês que não se concatenam, que deságua em uma solução das mais canhestras, para chegar a um desfecho absolutamente incompreensível. Pessoas que somem e voltam, ideias que nem no papel pareciam interessantes levadas a cabo até o fim, um personagem simplesmente inexplicável com atitudes disparatadas – Heimish, reparem no espetáculo de contradições – que além de tudo é muito mal escrito. Em determinado momento, nos sentimos como o protagonista Arthur, parado e olhando para a porta em desespero. 

Para não jogar toda a carga negativa aqui, até porque Oferenda ao Demônio é mais uma bobagem pretensiosa e confusa que um filme ofensivo, temos uma criatura efetivamente boa em cena. Não, não estou falando da criancinha fantasma com maquiagem de teatrinho infantil, mas de Abizou, o demônio ladrão de bebês que é o personagem-chave. Com um visual que remete ao do personagem-título de O Labirinto do Fauno, temos enfim algo que funciona completamente no filme. E não por ser necessariamente assustador, mas pelo enigma que provoca, nos personagens e no público; é bem desenhado, esteticamente bonito e ameaçador. É o que ficará após a sessão promovida pelo estreante Oliver Park, e acho que isso é um ganho, em meio ao caos. 

Um grande momento

A primeira aparição, no necrotério

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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