- Gênero: Drama
- Direção: Arthur Harari
- Roteiro: Bernard Cendron, Arthur Harari, Vincent Poymiro
- Elenco: Yûya Endô, Kanji Tsuda, Yûya Matsuura, Tetsuya Chiba, Shinsuke Kato, Kai Inowaki, Issei Ogata, Mutsuo Yoshioka, Angeli Bayani
- Duração: 173 minutos
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Embora o Cinema seja ele por si só o nascimento de uma experimentação de linguagem, estético e temático, o cinema clássico-narrativo é a maneira padrão como a sétima arte conquistou o status que se perpetua. E não há qualquer problema, a priori, em contar uma história da maneira mais cartesiana possível. Temos aí Onoda: 10 Mil Noites na Selva que estreia essa semana nos cinemas e propõe uma situação tão surreal e fantástica por si só, que atravancar sua realização com curvas narrativas muito acentuadas seria perder seu conceito, tão inusitado. Daqueles casos onde o espectador seguirá fiel a apresentação dos elementos na forma como ele estiver sendo, porque eles são tão repletos de possibilidades dentro de sua própria psicologia, que sua fruição será de suficiente prazer.
Arthur Harari é um jovem ator e diretor que aqui está em seu terceiro longa-metragem, tendo a coragem de obedecer a preceitos históricos de como contar uma história. Digo coragem porque ele tem às mãos uma narrativa fascinante e assustadora, e correr o risco de manter suas raízes tradicionais é de um profundo bom gosto, além do acerto sem fim. Em tempos onde o cinema concreto tradicional não encontra repercussão positiva, com tantos cineastas encampando uma estrutura básica por absoluta falta de destreza, compreender o alcance de sua dramaturgia e insistir no cinema direto é digno de aplausos. Com um olhar dos mais embevecidos pelo objeto filmado que o cinema clássico-narrativo mostrou nos últimos anos, Harari mergulha de cabeça na tarefa de registrar aquele homem, e nada além; a diferença é que Hiroo Onoda não foi qualquer um.
Onoda, ao fim da Segunda Guerra Mundial, se refugiou em uma ilha nas Filipinas, à espera de um contato japonês para o contra-ataque que ele imaginava que aconteceria. Pouco depois, o Japão se rendeu e Onoda permaneceu por lá, sem acreditar no resultado que recebia; ele acreditava tratar-se de uma armadilha dos inimigos para tomar sua posição. Foi nesse esquema que ele viveu por mais de 30 anos, em um mergulho introspectivo por um conflito já encerrado. Narrativa exposta, o que Harari busca a partir de então é fazer muito mais que um registro biográfico sobre o que aconteceu – afinal, 30 anos não são 30 horas. Acertadamente o caminho escolhido é o do estudo de personagem, e o filme não cessa enquanto não reveste o espectador em torno do universo interior do protagonista.
Assim sendo, Onoda, por mais que contextualize outro personagem que convive com o protagonista por boa parte do tempo, é em seu personagem-título que se debruça. E junto a ele observar o processo de desvirtuamento de nossas certezas, e como a obediência cega tão comum entre os orientais – especialmente os japoneses – estão em movimentos que precisam ser ressignificados. Ao redor das tentativas de ler esse homem tão arraigado em suas convicções, o roteiro também investiga através do protagonista, as raízes do próprio Japão, enquanto sociedade. A assertividade de um povo, sua subserviência, a histórica construção das certezas que os tornou tão servil, não esconde o que ele tem de positivo, em seu senso de responsabilidade, na forma radical em que dispõe de sua vida pelo bem maior, abrindo mão de si pelo próximo.
Ao escolher analisar o seu tempo pela ótica de um homem, Onoda ganha pontos por se descolar do padrão biográfico tradicional sem rebuscar suas intenções. É uma produção que não ilude o espectador em sua construção imagética ou narrativa; a padronagem não se enverga para construir um resultado de risco. Aqui, a ousadia é em deixar a narrativa se embrenhar nos tão temidos ‘saltos temporais biográficos’ sem julgamento, justamente por imprimir em seu DNA uma leitura acerca da psicologia interna de seu enfoque. Seja Onoda ou seja a representação que o mesmo faz de seu país, o filme revela através de suas certezas uma fornada de aparência restrita. Aos poucos, a grandiosidade de seu tipo transforma o filme em uma discussão aprofundada sobre os padrões de obediência, desde a social quanto a particular.
Um grande momento
O incêndio na vila