Crítica | Outras metragens

Os Animais Mais Fofos e Engraçados do Mundo

Ato de ternura

(Os Animais Mais Fofos e Engraçados do Mundo, BRA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Ficção
  • Direção: Renato Sircilli
  • Roteiro: Renato Sircilli, João Turchi
  • Elenco: Paulo Goya, Wilson Rabelo, Luiza Brunah Jerrô, Beatriz Id, Bruno Moreno
  • Duração: 24 minutos

Poucos filmes esse ano foram mais afetivamente impactantes que esse Os Animais Mais Fofos e Engraçados do Mundo, novo filme do realizador Renato Sircilli. O título nos leva a viajar por uma narrativa de viés mais afetuosa do que necessariamente se mostra, ao longo de sua projeção. Mas também é por causa desse batizado enigmático, que carrega uma carga emotiva evidente, que o espectador segue em busca de respostas mais concretas do que seu autor está disposto a conceder. Há uma ambiguidade que o filme faz questão de manter, que surge no batismo e segue pela expectativa que criamos em sua “explicação”, e que de maneira positiva cumpre o papel de sair de uma zona de acomodação. 

Jorge, seu protagonista, desenvolvido com intensidade por Paulo Goya, é um homem da palavra falada, um contador de histórias moderno. Narra em áudios no whatsapp suas desventuras, e achou um meio de incrementar sua extra, narrando as desventuras sexuais das pessoas que frequentam o motel onde trabalha como faxineiro. Não é apenas um caso simples de um homem de terceira idade carente pelo encontro com o próximo, mas um personagem que move sua história com propriedade e independência. Personagem central de uma narrativa que começa intrigante e se desenvolve em progressão rumo a lugares cada vez mais inusitados, Os Animais Mais Fofos e Engraçados do Mundo não cansa de surpreender. 

Não estamos falando de um plot que exija reviravoltas constantes da natureza do thriller, mas de uma estrutura criada para tornar aquele quadro montado como algo minimamente ainda não visto. Afinal, trata-se de uma história LGBTQIAPN+ envolvendo personagens com mais de 70 anos; você vê essa narrativa com frequência sendo contada? Para um profissional que não se sinta à vontade revelando qualquer coisa que seja da ideia de uma produção ao escrever, Os Animais Mais Fofos e Engraçados do Mundo é uma experiência desafiadora. Acho pobre descrever o filme como um produto afetuoso, e ponto final; apesar de ser carregado de sentimento, o que temos aqui é a certeza da leitura de um grito que raramente é ouvido. 

Apoie o Cenas

Mais do que ser sobre a necessidade do envolvimento, Os Animais Mais Fofos e Engraçados do Mundo mostra um personagem clamando por alguma espécie desse tal de afeto, negando seu papel de autômato para o mundo. Não há uma forma de restringir um ser humano a papel de reprodutor de um gravador de sons de êxtase; em algum momento, a negociação aceita será revogada. Chegamos a Jorge em um momento onde ele decide que tudo que aconteceu até agora não foi suficiente, ele quer e tem direito a mais. Nem que para isso precise mudar de registro cênico-amoroso-comportamental. 

Que Os Animais Mais Fofos e Engraçados do Mundo ainda compreenda a necessidade de um sistema anti-racista na hora de conjugar seus verbos, é uma prova de que não apenas seu protagonista tem sensibilidade prestes a explodir. Renato Sircilli nunca escamoteia suas intenções, mas também não as transforma em palanque público; as coisas são como são. Mesmo assim, há o espaço que o filme aproveita para tornar comum, o comum. E, se podemos abrir um parêntese aqui, como transborda de química o casal visto em cena, em cenas deliberadamente tão quentes quanto ternas.

Sircilli é hábil ao se aventurar pelas armadilhas que ele mesmo arma para o espectador, mas todos os signos correm para o mesmo mar. Toca o instrumental de ‘I Miss You’, sucesso noventista de Haddaway no som do quarto de motel; Jorge está neste lugar, sentindo falta, e provavelmente cansado dos movimentos repetidos. Seus olhos pedem, o tempo todo, pelo encontro – a boca, as mãos, o abraço também. Os Animais Mais Fofos e Engraçados do Mundo não tem medo da melancolia que propaga, ele vai até ela para que possamos entender de que material é feito alguém que julgamos já descartado. Jorge tem pau como boa parte dos homens, o que Sircilli quer mostrar agora é que Jorge também tem coração, e esse tem os mesmos direitos que os outros. 

Um grande momento

Narrando os sons

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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