Crítica | Festival

Aurora 15

Numa casa vazia com Belmonte

(Aurora, BRA, 2025)
Nota  
  • Gênero: Terror
  • Direção: José Eduardo Belmonte
  • Roteiro: Daniel Pech, Fernando Toste
  • Elenco: Carolina Dieckmmann, Humberto Carrão, João Bourbonnais, Juliano Cazarré, Marjorie Estiano, Milhem Cortaz, Olivia Torres
  • Duração: 70 minutos

O medo, aqui, demora a chegar, mas vem frenético. José Eduardo Belmonte constrói em Aurora 15 um terror doméstico que se alimenta do desconforto cotidiano, de casas vazias, presenças estranhas e vozes que vêm de longe. A história começa simples: um casal visita uma casa à venda, acompanhados por uma corretora. É uma tarde banal, mas o que era para ser rotina logo se transforma em uma perturbação que não depende do que é mostrado, e sim do que permanece em suspensão.

Belmonte sempre foi um diretor inquieto. Em Aurora 15, sua incursão no horror vem marcada por um domínio surpreendente da contenção e mais uma vez o diretor volta a se desafiar, depois de dramas urbanos e narrativas criminais, num formato de “terror caseiro”, em que o perigo é menos um evento externo e mais um estado de espírito. Filmado há cerca de dez anos, o longa só agora chega ao público, e o tempo não compromete a experiência, pois é daqueles tipos de horror que envelhece bem com angústia que registra. 

Grande parte da eficácia vem da mise-en-scène. A luz natural domina o filme, e o contraste entre o dia e a noite que chega cedo demais reforça a instabilidade do espaço. Há algo de home invasion, mas a tensão não vem da invasão em si, e sim da hesitação dos personagens, de sua incapacidade de perceber o que está prestes a acontecer. O som é peça-chave, com a aposta em um ruído grave e persistente que acompanha os momentos mais calmos, tornando o silêncio mais uma ferramenta de ansiedade.

O elenco, com Carolina Dieckmann, Humberto Carrão, Marjorie Estiano, Milhem Cortaz, Juliano Cazarré e Olívia Torres, trabalha no limite entre o real e o estranho. Belmonte aposta em gestos contrastantes, que vão da contenção à catarse, mas valoriza os olhares que fogem e as pausas que pesam. É um terror de corpos tensos e respirações contidas, um cinema de atmosfera, não de explicação. Além do palpável, ele faz inserções sensoriais que quebram a continuidade da imagem, como se o próprio filme quisesse quebrar aquilo do que filma.

A trama poderia se deixar levar pelo clichê – e até brinca com isso –, mas o que sustenta Aurora 15 é a capacidade de transformar o banal em inquietante. A casa, tão comum, ganha uma dimensão sobrenatural sem precisar de grandes efeitos. O que está “lá fora” parece sempre à espreita, mas é dentro que o horror cresce. O espectador sente, mais do que entende, a estranheza de um espaço que muda de função, de um abrigo que vira ameaça.

Apesar do orçamento modesto e do tempo que esteve engavetado, o filme demonstra uma inventividade rara. A economia de recursos se converte em estilo, onde cada plano é preciso e cada corte é pensado. Belmonte entrega uma obra que não precisa de excessos para funcionar. Seu terror é de textura, de som, de luz e, mais importante, de intuição. O medo não vem só do susto, embora esse seja bem eficiente. Ele vem da suspeita.

Aurora 15 poderia ser um filme sobre vampiros ou monstros inexplicáveis, mas é sobre a experiência de estar cercado, sem saber de onde vem o perigo. É um filme de clausura, de vigilância, de corpos em espera. E, como o próprio título sugere, é também sobre aquele instante antes do amanhecer, quando ainda há sombra o suficiente para o pesadelo ser real, mas não tanto.

Um grande momento
Achando a arma

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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