Crítica | CinemaDestaque

Faça Ela Voltar

(Bring Her Back, EUA, 2025)
Nota  
  • Gênero: Terror
  • Direção: Danny Philippou, Michael Philippou
  • Roteiro: Danny Philippou, Michael Philippou
  • Elenco: Billy Barratt, Sora Wong, Jonah Wren Phillips, Sally-Anne Upton, Stephen Phillips, Mischa Heywood, Sally Hawkins
  • Duração: 104 minutos

O terror recente insiste em falar do luto. Não apenas como ausência, mas como força que fica, ocupa os espaços e inventa fantasmas quando não há mais nada a fazer. Exemplos de sucesso não faltam, como Babadook, Hereditário e outros, onde a dor de perda virou o plot favorito – e perturbador, por sua proximidade – do gênero. Os irmãos diretores Danny e Michael Philippou já estiveram nesse território com Fale com Ela, e agora voltam a ele com Faça Ela Voltar. Num desenho de luto que traz perdas que seguem e contrariam o fluxo simultaneamente.

Tudo começa com a perda do pai. Dois irmãos encontram o corpo no chuveiro, e aquele instante de choque se torna a primeira o primeiro contato com o fim. O que se segue vai além do luto, é desorientação. A ausência do pai desestabiliza e abre caminho para uma presença que carrega sua própria ferida. Laura surge como a mãe que também perdeu, mas que insiste em não aceitar. E é nesse ponto que a narrativa mergulha em um ritual mórbido, no qual a falta de um pai se mistura à falta de uma filha, e o que parecia dor pessoal ganha dimensões mais amplas, quase universais.

Ainda que não exista um meio de mensurar sofrimentos para compará-los, a perda de um filho é dor que não encontra nome. Não há palavra que dê conta e nem frase que consiga explicar. Faça Ela Voltar sabe disso e transforma em imagens o que não pode ser dito. A cada tentativa de retorno, o que se revela é que não há volta possível, e o luto insiste, assim como a insistência em reverter a morte abre apenas mais espaço para o horror. Os Philippou asbem como construir a tensão e fazem com que as pausas provoquem a ansiedade. Se os silêncios são piores do que os susto, os movimentos e interações vão levando o filme ao limite do desconforto.

A precisão não está apenas na dramaturgia, também está presente na construção imagética da falta. Partindo de um ritual estetizado, o filme se volta para o cotidiano áspero da casa, buscando escuros, espaços estreitos e pouco convidativos, piscinas vazias e corpos mutilados. O body horror surge como tradução física do vazio, a dor se traduz em gestos e ultrapassa os limites do humano. Laura também se transforma diante da câmera conforme o delírio cresce, da a forma como é iluminada até o modo como ocupa o quadro, passando por sua caracterização. O espectador não vê apenas uma personagem em luto, vê o luto se apoderando de sua imagem.

Sally Hawkins, em uma ótima atuação, assume o delírio da personagem que sorri, pede afeto e exige um lugar para o fantasma da filha. Sua fragilidadem, inquietante, nunca vira caricatura. O olhar atravessado pelo luto cria uma figura que ora parece acolhedora, ora insuportável, e é nessa ambiguidade que o filme encontra sua força. O horror de Faça Ela Voltar está no desejo profundo de manter vivo aquilo que já morreu.

O filme se coloca, assim, como parte de uma linhagem do terror que usa o sobrenatural para falar daquilo que não pode ser explicado. Não é sobre monstros, é sobre perda. Não é sobre maldição, é sobre a necessidade impossível de trazer de volta. A cada cena, fica mais claro que a dor não tem solução, só tem continuidade.

Um grande momento
Faca na boca

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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