- Gênero: Documentário
- Direção: Ana Elena Tejera
- Roteiro: Ana Elena Tejera
- Duração: 84 minutos
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Não demora nada para Panquiaco deixar claro que se trata de uma produção a respeito do banzo, aquele sentimento universalizado pelos africanos que trata da melancolia que se sente ao ser expurgado de sua pátria, de perder suas raízes em terra estrangeira, de se afundar em saudades de coisas que não são necessariamente concretas e compreensíveis. É algo ainda mais interiorizado do que as palavras possam expressar, e talvez seja essa a certeza da estreante Ana Elena Tejera, que em seu primeiro trabalho como diretora, roteirista e montadora se desdobra por valores muito humanos para desvendar a dor de quem vai, e a dificuldade de lidar com o que se perdeu.
O protagonista Cebaldo é um pescador no norte de Portugal que, décadas depois, ainda tenta se aclimatar a uma ambientação que não é sua, vide seu chefe ainda precisar lhe instruir sobre afazeres mundanos. Sua história é unida ao do Panamá por nascença, e esse homem que caminha para a terceira idade começa a perceber o que já passou por sua vida e não tem mais retorno, o que pode significar que um retorno à casa deve ser pensado e realizado, para tentar se relacionar com as cicatrizes do passado familiar e com uma ancestralidade que ele está em vias de perder, mas que parece atraí-lo de volta às suas origens.
Panquiaco não é um documentário comum, pois ficcionaliza abordagens e flashbacks de maneira muito sensível, criando camadas de imagens que se interpõem e criam não apenas as memórias de um homem, mas o mosaico afetivo de um povo que se situa em lugar próximo ao do protagonista do filme. Em luta constante contra a perda de um passado cultural e do esquecimento das raízes, o filme tenta recentralizar esse homem enquanto utiliza dos próprios recursos narrativos para denunciar essa perda gradual de material memorial a respeito dos povos que construíram a identidade das Américas.
Forjando um passado em super 8 que “cinematografiza” uma história de ausências reais, de uma dor real em busca da reconstituição dos laços primais dos povos nativos que se afastam de seus locais de criação, o filme não tem medo de afastar do gênero para se arriscar em prol de uma classificação imagética de risco autoral – inserir uma janela de exibição diferenciada (1:1) para reposicionar o resgate de uma infância frenética, em contraponto ao presente estático. O resultado eleva o material como um todo e permite um olhar aguçado na direção dessa novata autora.
Talvez o filme se metaforize demais até começar a se desvendar, ainda que muitas dessas cenas, como a do passeio de barco e o relato a respeito do crocodilo, funcionem perfeitamente para o contexto. Outra função que beira o excesso são os discursos de Fernando, irmão que ele reencontra no país natal e que eventualmente lhe fornece conselhos; muitas dessas cenas, com falas muito demoradas e detalhadas, talvez justifique o protagonista para um público médio, mas tira boa parte das sutilezas impressas em imagens e closes de Cebaldo, que muitas vezes sem dizer uma só palavra, apenas com a força do seu olhar, comunica tudo.
Esse seria um senão de um projeto singelo, muito delicado e que avança sobre temas que poderiam ser resolvidos de maneira panfletária, mas que o filme se insinua da maneira mais introspectiva possível, sempre caminhando muito mais no lado das entrelinhas e da sugestão. Que além desse olhar particular sobre um homem, Ana Elena ainda demonstre uma dose extra de sensibilidade ao mergulhar em rituais femininos ancestrais aos nativos panamenhos, é o que transforma Panquiaco numa experiência ampla de sentidos e resultados, e que ainda comete a grandeza de apontar questões que muitas vezes não tem uma saída prática.
Um grande momento
O marinheiro na ilha deserta