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Pérola aos Porcos

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(De l'or pour les chiens, FRA, 2020)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Anna Cazenave Cambet
  • Roteiro: Anna Cazenave Cambet, Marie-Stéphane Imbert
  • Elenco: Tallulah Cassavetti, Corentin Fila, Carole Franck, Ana Neborac, Romain Guillermic, Waël Klamis, Julie Depardieu
  • Duração: 99 minutos

Talvez a mensagem de Pérolas aos Porcos, estreia da semana na plataforma Reserva Imovision, demore um pouco para ficar clara… ou talvez seja um caso de tamanha entrega por parte da produção, que algo tão inadequado quanto uma “mensagem”, fique um pouco deslocada. Uma, que seja; podem ser várias também. Ou pode ser que, a cada passo de Esther, pós-adolescente literalmente na flor da idade, ela se aproxime cada vez mais de um empoderamento que não seja resumido apenas às pautas do dia. A jovem mulher não está em busca de algo pré-determinado, ou melhor, até está, mas não é exatamente disso que ela precisa. O poder que ela irá descobrir é de ordem muito mais ampla, quase espiritual. Ou literalmente.

O filme é a estreia na direção e no roteiro de longas de Anna Cazenave Cambet, e esteve na Semana da Crítica do Festival de Cannes. Tem muita segurança na representação de traços marcantes de uma juventude muito próxima à cineasta, que rodou o filme aos 28 anos, ou seja, estava com todas as lembranças daquele tempo ainda intactas. Sem imaginar nada de autobiográfico, o que o espectador recebe é uma certeza em relação ao que se sente naquela idade especificamente, naquele tempo. Na pele daquela jovem moça, ainda tateando no escuro para entender seu lugar no mundo, e sendo constantemente julgada (e condenada) por ser uma mulher jovem.

Pérola aos Porcos
CG Cinéma

Com pouco tempo de distância possível da faixa etária de Esther, é possível que sinta algum ruído naquela representação. Há um egoísmo típico da juventude, uma inocência de quem emocionalmente ainda está mais próximo dos 15 que dos 25, uma inconsequência desmedida que leve inclusive a apuros, ao mesmo tempo que um desamparo dolorido do fim de um processo complexo de passar; adolescência, né? Esther, especificamente, ainda é um ser humano desprovido de uma figura de anteparo – vive sozinha, afastada da mãe, em dias repetitivos e, na maior parte do tempo, vazios. Sua realidade, assolada em solitude, é recheada de um sentimento de ausência, de supressão do afeto.

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É a partir dessa observação, que o terceiro ato se faz coerente porque Esther finalmente encontrou algo parecido com seu lugar em uma espécie de mundo, ainda que de forma radical. A radicalidade, no entanto, também faz parte do romper barreiras e padrões da juventude, de uma forma geral. Aqui, a protagonista faz uso desse expediente quase em sua totalidade, o que já na abertura deixa clara sua tranquilidade sexual e, obviamente, o tal empoderamento. Mas não é sobre isso que Pérolas aos Porcos está falando, conforme já dito, e sim da liberdade irrestrita que essa mesma juventude têm de possibilidades, de escolhas. Esther é uma força de ação que se move sempre para frente, independente do tamanho do obstáculo, que acaba por esbarrar em um cenário onde é finalmente necessária, depois de tanto vagar de um abandono a outro.

CG Cinéma

Tallulah Cassavetti encarna Esther e é uma descoberta dessas esfuziantes. Ela nos faz sentir todo o necessário que o roteiro e a direção pedem o tempo todo. Não tem como, a curto prazo, simpatizar com as atitudes da personagem, mas em determinado momento ela vai à Paris e precisa pegar um táxi. A partir dessa cena, tudo que sentíamos por Esther até cinco minutos antes, toda a irresponsabilidade irritante, toda a inequívoca ingenuidade e seus rompantes de liberdade, serão compreendidos. Tudo isso se move na direção de Cassavetti, que usa à vontade recursos ilimitados para nos colocar na pele e no deslocamento de um corpo que não é desejado em qualquer lugar onde chegue.

Cambet consegue, graças à entrega tão irracional da atriz, criar essas texturas de camadas em Pérolas aos Porcos, que se inicia de maneira tão absolutamente solar até ser arremessado em uma noite que parece eterna. Quando enfim o filme sossega em uma zona cinzenta, o espectador pode se perguntar se algum castigo foi atribuído a personagem por sua leviandade. A dúvida é honesta, mas pode ser diluída; Esther está, como sempre, no lugar onde quer estar, descobrindo o que quer descobrir. Esse profundo entendimento de liberdade tem prazo para acabar, e sabemos que Esther precisa encontrar um pouso, um direcionamento. Deve partir de uma inveja de nós, adultos, ter tanta raiva da impetuosidade de Esther, e do futuro que pra ela é um livro em branco.

Um grande momento
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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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