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Solo Vermelho

O que precisa ser feito

(Rouge, FRA/BEL, 2020)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Farid Bentoumi
  • Roteiro: Farid Bentoumi, Samuel Doux, Gaëlle Macé, Audrey Fouché
  • Elenco: Zita Hanrot, Sami Bouajila, Céline Sallette, Olivier Gourmet, Alka Balbir, Henri-Noël Tabary, Thierry Rousset, Driss Ramdi
  • Duração: 86 minutos

O cinema europeu age muito mais em prol das classes operárias hoje do que o estadunidense, que aprendeu muitos desses valores durante a Nova Hollywood, e naquele período produziu pérolas como Cada um Vive como Quer, Alice não Mora mais Aqui, Norma Rae, e tantos outros; um Erin Brockovich hoje é raro. Mas cineastas como Jean-Pierre e Luc Dardenne, Ken Loach, Stéphane Brizé, além de casos isolados como o dessa estreia Reserva Imovision Solo Vermelho, dizem que o cinema político engajado em causas denunciantes a respeito da parte mais baixa da pirâmide empregatícia está bem vivo, e é do outro lado do Atlântico onde esse cinema hoje encontra relevância.

O cineasta Farid Bentoumi, de origem árabe, explora também essa vertente dentro de seu segundo longa-metragem. Isso não é uma verbalização direta, mas a família no olho do furacão dos eventos de uma fábrica que pode ou não estar despejando rejeitos químicos na atmosfera há 50 anos é de um núcleo árabe. Talvez por isso seja tão fácil para os outros personagens demonizar Nour, e posteriormente acusar seu pai de ter sido responsável por colocar uma desagregadora entre eles. No fundo, os Hamadi não são queridos e, menores como são, esperou-se (no caso, 30 anos) até que suas opiniões pudessem ser ouvidas a seus respeitos. Afinal, ninguém ali é xenófobo, certo?

Solo Vermelho
Les films VELVET

O jovem cineasta francês já deve ter sentido na pele os olhares condescendentes que são gradativamente dispostos em cena, mas deixa a sutileza falar por si em diversos momentos. Solo Vermelho, a bem da verdade, é um filme bem seco e direto, provavelmente filho direto da dinastia de cinema operário; não há muito tempo para enfeitar ou significar o plano, sua narrativa precisa ser apresentada. É nessa levada direta, sem pretender criar imagens muito sofisticadas, que o rapaz acaba sim por criar, principalmente enquanto todos ainda são afáveis com Nour. Não há nada naqueles homens – afinal, um ambiente operário é machista em essência por praticamente não abrigar corpos femininos, entre outras coisas – que nos faça acreditar que a protagonista está sendo violada. Agora, olhe com atenção.

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Logo no início da investigação, Nour tenta saber de algo de dois operários que se recusam a cooperar enquanto caminham para seu posto; aos poucos, os olhos deles despem a personagem, sem qualquer material explícito por parte da imagem. É tudo apenas direcionamento de material e trabalho corporal do elenco. Em outra cena, Nour e seu cunhado debatem as desconfianças dela e sistematicamente (e com a intimidade de parentes próximos), Greg diminui sua interlocutora, debocha e por fim pede que ela amarre seus sapatos, em um dos momentos mais odiosos do filme. Mais uma vez, nada disso é explicitado, em trabalho de extrema delicadeza coletiva, para acentuar que pontos paralelos também povoam a narrativa.

Solo Vermelho
Les films VELVET

Inspirado em eventos reais, Solo Vermelho nos apresenta tradicionais sequências desse tipo de produção – a reunião do sindicato com políticos locais, a apresentação grandiosa de um novo projeto em montagem paralela à ação radical, entre outros momentos. Além disso, há o compreensível drama familiar e pessoal que ameaça destruir um grupo de pessoas que o filme apresenta coletivamente com excesso de carinho de parte a parte. Ainda que desenvolva tudo com muita textura crível, não é exatamente o grupo de cenas mais original já visto, incluindo sua ordem que podemos até mesmo adivinhar quais serão as posições seguintes na montagem.

Ainda assim, é um trabalho sensível selecionado para o Festival de Cannes 2020, aquele assolado pela covid-19, onde apenas fomos apresentados ao grupo de filmes. De maneira meio torta, o filme acaba também conversando com nossa realidade atual e o desespero das perdas graças à inoperância do Poder. Mesmo o lugar de Nour não veste o glamour que heroínas tradicionais exercem, por ser uma protagonista que tem tudo a perder e só faz o certo porque enxerga sua necessidade, porém se ressente por tudo que está perdendo pelo caminho. É uma rota de normalidade que cabe bem a um longa cujo interesse é a denúncia mais óbvia, mas que não deixa nenhuma outra questão pelo caminho; abraça o máximo de outras possíveis.

Um grande momento
Experimentando o terno

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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