- Gênero: Drama
- Direção: Malcolm Washington
- Roteiro: Malcolm Washington, Virgil Williams
- Elenco: John David Washington, Danielle Deadwyler, Samuel L. Jackson, Ray Fisher, Corey Hawkins, Michael Potts, Skylar Alecee Smith, Erykah Badu
- Duração: 122 minutos
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Não podemos negar que há um esforço coletivo, de direção e produção, para que Piano de Família, nova produção Netflix para as premiações do ano que vem, tenha uma cara cinematográfica maior que as últimas adaptações da obra de August Wilson pela família Washington. O resultado, no entanto, não consegue ir muito além porque, no fim das contas, independe de uma estrutura cênica para situar os eventos, se tais questões narrativas prendem o debate em um círculo contínuo e imutável, de onde os personagens não conseguem sair. Se fosse uma questão proposital, como uma armadilha espacial de onde o grupo se vê compelido a manter-se conectado, alguma compreensão seria possível, mas não é o caso.
Não adiantou encher a tela de flashbacks, de cenas externas que pouco podem acrescentar ao campo de análise, situadas no exterior do palco principal. O mote sobre o qual Piano de Família é montado é tão exíguo, que caberia num curta-metragem, e isso é acarretado principalmente pela falta de desenvolvimento emocional de seus tipos, ao contrário das obras anteriores, principalmente Um Limite entre Nós. A sensação que o espectador tem é a de estar preso a um grupo que não apenas recusa a evolução, como não tem como fazê-lo, dada a ausência de circunstâncias onde estão confinados.
O entorno narrativo de Piano de Família é robusto, e funcionaria em qualquer que fosse o caso. A história da família que habita o roteiro não tem sobrenome, e talvez por isso mesmo seja tão facilmente identificável em qualquer contexto histórico-temporal. Ao longo de três gerações, um piano foi entalhado, herdado, roubado e, quando a obra se faz presente, é fruto de uma disputa entre um casal de irmãos durante os anos 1930. Wilson foi premiado por ela em 1990, e dentro do que as novas adaptações mostraram de seus textos, estamos diante de uma investigação formal sobre a História afro-americana que as produções recentes não tentaram alcançar. É justamente durante essa ampliação de seu mote o lugar onde o filme encontra não apenas respiro, mas razão de existência e qualidade.
Dos três títulos recentes produzidos por Denzel Washington (além do já citado, ainda tivemos A Voz Suprema do Blues), Piano de Família é que ecoa melhor sua cinematografia, no entanto é a que pior expande seu material, no aspecto narrativo. A estreia de mais um filho de Denzel no cinema, Malcolm Washington, atrás das câmeras e do texto, tenta imprimir um olhar além das paredes de seu cenário. O filme percorre o ponto de vista de seus personagens através das imagens, com um jogo dinâmico de edição, que nos permite ir além da tradicional leitura que é feita de um campo do “teatro filmado”. Ao mesmo tempo, não demora para que percebamos que não há muito o que extrair de um objeto tão centrado como aqui.
Por mais que exista uma vida em torno da espinha dorsal da obra, tudo o que aparenta ter vida em Piano de Família se resume à venda do instrumento – e, o que amplifica negativamente nossa relação, a falta de modulação do lugar que se quer alcançar com a discussão. Na verdade, os dois personagens mais exigidos pela disputa, os irmãos Boy Willie e Berniece, tem uma estrutura bem fundamentada, que se percebe irredutível. O que atrapalha o arranjo não é a postura, mas a forma como suas personalidades não avançam para qualquer outro lugar, mostrando que nossa espera por uma ranhura no quadro geral seja constantemente frustrada.
Por melhor que esteja o elenco (e Danielle Deadwyler mais uma vez se prova um dos mais inquestionáveis talentos da nova geração, enquanto John David Washington finalmente entrega uma performance digna das mostradas por seu pai), Piano de Família não consegue sustentar seu conflito. A saída final, que parece conversar com o 2024 tão significativo dentro do gênero, não revela aos seus tipos nada que possa acordá-los para uma nova verdade interna. Estamos diante de um grito de alerta de um povo que não consegue manufaturar suas dores. Seria um resultado muito mais interessante na teoria do que acaba por se realizar na prática.
Um grande momento
Berniece e Lymon, a sós