- Gênero: Ficção científica
- Direção: Zack Snyder
- Roteiro: Zack Snyder, Kurt Johnstad, Shay Hatten
- Elenco: Sofia Boutella, Ed Skrein, Charlie Hunnam, Michiel Huisman, Djimon Hounsou, Donna Bae, Ray Fisher, Staz Nair, Fra Fee, Cleopatra Coleman, Stuart Martin, Cary Elwes, Alfonso Herrera, Corey Stoll, Ingvar Sigurdsson, Anthony Hopkins
- Duração: 125 minutos
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Se alguém for nos acusar de não gostar do Zack Snyder por sempre estar de flechas e tacapes apontados na direção de seu próximo filme, a argumentação mais óbvia é a de que Snyder também não gosta de nós. Apenas isso poderia justificar a profusão de filmes, digamos, ‘problemáticos’ que a cinefilia é obrigada a encarar, de tempos em tempos, ao se aproximar de um novo título capitaneado por ele. Dessa vez ele nos atacará em dose dupla, ainda que de maneiras homeopáticas: Rebel Moon – Parte 1: A Menina do Fogo acaba de estrear na Netflix, e em abril teremos a segunda parte da saga galáctica. A pergunta mais óbvia ao fim da sessão é quase uma súplica a alguma divindade: porque merecemos passar por mais uma provação dessas?
Snyder estreou nos cinemas no que ainda deve ser seu melhor filme, o remake de Madrugada dos Mortos que está completando 20 anos. De lá pra cá, ele lançou alguns títulos queridos ou cultuados, como Watchmen: O Filme e Sucker Punch, mas desde que se envolveu com a DC Comics, seu prestígio, seu atestado de qualidade, seus predicados, desapareceram. Seu apreço pelo ‘slow motion’ cresceu, enquanto sua inventividade foi sendo soterrada por demandas estéticas de gosto duvidoso, decisões artísticas suspeitas e acordos narrativos quase sempre erráticos. Isso aliado a uma megalomania que parece imparável, resumiria para um extraterrestre o que é o diretor de 300 hoje. Pois bem, quase tudo isso se aplica a Rebel Moon – Parte 1: A Menina do Fogo.
Entendo que um autor de blockbusters olhe para George Lucas e admire tudo que ele criou. Sua obra, seu legado, a mitologia que se envolve a partir da chegada de Star Wars, e o quanto ele conseguiu reinventar uma roda que já era criada. Isso não significa que todos tenham cacife ou talento para bancar a mesma empreitada, até porque o próprio Lucas já oferece um obstáculo, que é conseguir se distanciar do que ele mesmo já realizou. Rebel Moon – Parte 1: A Menina do Fogo não passa de Snyder tentando emplacar uma mitologia capenga, inspirada em tudo que também inspirou o cineasta de THX1138, porém sem qualquer rastro de uniformidade. O filme, que é um imenso sucesso na Netflix no mundo todo, peca por muitas características, mas podemos dizer que a falta de unidade do todo talvez seja um estrago impossível de reverter.
São muitas camadas de intenções que não chegam a lugar nenhum, embora esteja claro que o filme foi pensado para tentar não desagradar nenhuma faixa de audiência. A cada novo deslocamento da dupla de protagonistas rumo a novos planetas e aliados para sua luta, eles acabam por encontrar uma nova faixa de público: orientais, latinos, pretos, LGBTQIAPN+, como se fôssemos todos uma massa sem personalidade, tratada como mais um povo a conquistar. Ou seja, Rebel Moon – Parte 1: A Menina do Fogo, com seu discurso libertário, acaba constituindo a mesma visão simplista que os vilões que tentam combater, a de retirar dos territórios dominados o que pode ter de único em cada um. Ao nos resumir a uma massa apta apenas a representação visual, o filme cai na armadilha armada para os outros.
Seguimos também com os velhos cacoetes do diretor, que precisa transformar cada micro evento do filme em uma apoteose com direito a ‘câmera lenta’, caindo na ideia do ‘slow motion’ dentro do ‘slow motion’, esvaziando o recurso e criando a piada que se perpetua: se estivesse em rotação natural, as mais de duas horas de eventos virariam menos de uma. Além disso, o sofrível roteiro escrito por ele e dois comparsas cria situações e personagens que poderiam ser suprimidos ou resumidos a ações coletivas, sem qualquer explicação plausível que não seja a de super povoar a ação. Rebel Moon – Parte 1: A Menina do Fogo padece de falta de identidade própria, cujo visual é copiado de inúmeras coisas já vistas, fantasiosas ou não, que passam mais a sensação de desleixo que de inspiração. Ao menos os efeitos especiais são parcialmente bons, e nos fazem chegar ao fim (ou melhor, a metade) da jornada com aborrecimento controlado.
No fim das contas, Zack Snyder deu sorte em 2023. O ano foi cheio de desacontecimentos para o cinema em larga escala, e tivemos um número considerável de decepções estéticas para que possamos lembrar de Rebel Moon – Parte 1: A Menina do Fogo como destaque negativo. Na verdade, o que torna a acontecer é seu diretor demonstrar ter muito mais confiança do que deveria em seus títulos e pretensões. A melhor coisa a fazer seria retomar os trabalhos em Army of the Dead, cujo material é um ponto fora da curva de sua filmografia atual, e simplesmente deixar a Netflix enterrar esse projeto falido artisticamente. Em abril, estaremos mais uma vez reunidos para tentar compreender o que falta ser contado nesse material. Minha aposta: nada.
Um grande momento
O conflito final entre Kora e Noble