(The Mustang, FRA/BEL, 2019)
Na investigação proposta por Laure de Clermont-Tonnerre para o seu Rédeas da Redenção, homem e animal são compostos pela mesma fúria interior; a busca pela liberdade que é o anseio de um já está adormecida no outro. Ambos se encontram nesse mesmo lugar onde suas ebulições internas provocam esse permanente estado de apreensão e angústia, um rastilho de pólvora eternamente aceso. Essa identificação imediata entre protagonistas não apenas é a força motriz do filme como também é a base para traçar esse paralelo entre a paisagem indomável ao alcance de homens que estão longe de tê-la.
Arranha superficialmente a princípio que Chloe Zao tenha feito tanto merecido barulho com Domando o Destino, mas se a lupa é aproximada rente aos filmes, fica claro como suas semelhanças se encerram em seus ambientes. Se Zao pretende construir a ficção tendo tintas documentais para brincar, Laure parte de uma base verídica para apresentar um contexto absolutamente ficcional que aponte preceitos do que é não ser livre, para que, ao redor dessa prisão física e psicológica, possa florescer um mundo de texturas de cores e espaços diferenciados, e que a apresentação desses elementos evidencie sua ausência.
O filme é mais feliz quando não responde questões ou quando deixa passar em branco questões primordiais ao cinema clássico narrativo. Porque Roman está ali é a questão mais óbvia do filme, e todo ele é melhor enquanto não o sabemos. Não por elegia ao mistério, mas por respeito ao silêncio que o filme tão habilmente monta e apresenta, para que, em determinado momento, esse mesmo silêncio seja substituído por uma repetição de clichês, como a psicóloga que não consegue comunicação com o protagonista. A frustração não reside apenas na revelação, mas na aposta equivocada do diálogo como forma de retenção. Sem querer, o título em português acertadamente diz de onde virá a mesma.
As cores de Rédeas da Redenção dizem muito sobre seu resultado final. Elas tentam transmitir o estado sensorial de seus dois personagens chave, sublinhando muito bem as cenas a ponto da excelência. A cargo do experiente Ruben Impens (de Alabama Monroe e Raw), o longa é vestido com vermelhos e laranjas para impor a presença de Roman, e azul indo pro escuro pra tentar produzir o interior de Marquês. Quando finalmente eles se harmonizam, a direção tira esse peso constante sobre as luzes quentes do filme e introduz o equilíbrio que faltava a ambos, e eles se conscientizam sobre a necessidade de um na vida do outro.
Defendendo Roman, Matthias Schoenaerts (de Ferrugem e Osso) alcança notas que não tem o hábito de mostrar. Preso a um estereótipo de personagem reprimido que mesmo aqui não foge da repetição, o ator se permite um lugar compungido no qual o arrependimento parece impresso em cada fotograma. Com uma entrega emocional espantosa, Matthias é um homem grande que vemos aqui despido de uma carcaça habitual para forrar a produção com um olhar irremediavelmente tristonho e uma postura corporal que o aproxima de seu parceiro de cena equino, de cabeça baixa e semblante clamando por resgate.
Ainda que incorra em vários gatilhos narrativos, que têm como objetivo facilitar a vida do espectador ao criar cumplicidade com o mesmo e, para isso, assuma um lugar menos intuitivo pra sua estreia, Laure de Clermont-Tonnerre mostra segurança em várias passagens, maturidade e controlada emoção para contar uma história árida de onde brota uma espécie de salvação insuspeita. Com uma colagem de passagens muito eficiente e uma interpretação espetacular de seu protagonista, Rédeas da Redenção desafia o lugar comum com sutileza e certa coragem.
Um grande momento
Roman se abre com a filha.