(Reflexões de um Liquidificador, BRA, 2010)
Pouco se pode esperar de uma história macabra contada por um liquidificador tagarela e cúmplice de um crime, mas é aí que reside toda a graça dessa surpreendente comédia de André Klotzel. Extremamente nonsense e recheada de muito humor negro, essa história de personalidades bizarras e relacionamentos esquisitos funciona tão bem que é impossível não se reder à ela.
Quem nos introduz na história é Elvira, uma dona-de-casa e ex-taxidermista que vai à polícia reportar o desaparecimento do marido, que saiu de casa há oito dias e nunca mais voltou. O delegado avisa que ela era a principal suspeita do sumiço e destaca o inconveniente investigador Fuinha para cuidar do caso. A partir de então, quem passa a nos contar a história é um velho liquidificador que, de uma hora para a outra, começou a pensar e se comunicar.
Fazendo analogias entre homens e máquinas e tentando entender os humanos, é ele quem nos conta o passado do casal Elvira e Onofre, proprietários da casa de sucos onde ele trabalhava antes de ir habitar a cozinha da família, depois que o estabelecimento foi fechado, e é através dos olhos do eletrodoméstico (e de suas hélices) que vemos a busca do marido por emprego, a volta da esposa à atividade de taxidermista e até a pulada de cerca dele que antecede o desfecho dramático. Testemunha e cúmplice, esse liquidificador é o laço que une todos os personagens da história, desde os frequentadores da casa de Elvira, como a vizinha apaixonada por pêlos ou o carteiro futriqueiro, a amante melosa e o desagradável policial Fuinha.
Com um roteiro bem redondinho de José Antônio de Souza, o filme flui bem e consegue envolver o seu público que, mesmo estando diante de uma história de liquidificador não sai da narrativa por nenhum momento. As interpretações são fundamentais para o sucesso do longa, com destaque para a introspectiva e estranha Elvira criada por Ana Lúcia Torre. Selton Mello dá voz ao utensílio elétrico e Fabíula Nascimento, Germano Hauit, Aramis Trindade e Gorete Milagres têm os seus momentos. A cenografia de Dani Vilela também chama a atenção nesse conto de terror transformado em comédia.
Pouco crível, mas totalmente funcional, Reflexões de um Liquidificador é uma boa surpresa e diverte até os mais enjoados.