- Gênero: Documentário
- Direção: Sam Feder
- Roteiro: Sam Feder
- Duração: 100 minutos
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Por mais que tenhamos empatia, por mais que façamos parte de grupos comuns, por mais que tenhamos lutas afins e interesses que se entrelacem, a dor e o reconhecimento diários só afetam quem vive na pele tal realidade. Revelação conversa especificamente com o T do LGBTQI+, embora nenhum de nós inseridos em outras letras da sigla (e até os que, sabe-se lá porque, não tiveram a sorte de serem contemplados com a homossexualidade, de alguma forma – porque ser viado, com todos os reveses, é foda pra caralho!) está deliberadamente excluído da discussão, muito pelo contrário; a empatia não é seletiva, ela cabe no mundo todo.
Dirigido por Sam Feder (que tem outros trabalhos sobre a comunidade trans na sua filmografia) e produzido por Amy Sholder, o filme tem produção executiva assinada por Laverne Cox, atriz que explodiu em Orange is the New Black e obrigou a sociedade americana a lidar com a questão trans dentro de Hollywood e como essas questões transcendem o tempo, pois existiam desde os primeiros curtas da História, e refletem no processo de reconhecimento que hoje está na pauta do dia, forçando-nos a reexaminar o cinema e a dramaturgia como um todo, e como sua representação afetou a própria comunidade – tudo isso tema do próprio filme.
Filmado de maneira convencional, com os depoentes sentados olhando pra frente ou um interlocutor enquanto a montagem ilustra seus relatos com as obras em questão, que literalmente vão de 1900 até 2019, Revelação transcende seu formato como poucas vezes é feito. Por tão rara voz coletiva ter na mídia, as questões trans sendo verbalizadas pela comunidade que hoje é seu retrato de identificação artística e social ultrapassam o formato: atores, diretores, roteiristas, produtores, profissionais ligados à GLAAD (organização não-governamental estadunidense cujo foco é a monitoramento da maneira como a mídia retrata as pessoas LGBTQI+) unidos para expressar seu olhar sobre o olhar que é lançado para eles.
Em voga, a representação clássica aborda D. W. Griffith e seu Judith de Bethulia, onde uma figura crossdresser é claramente ridicularizada (porque não basta ser racista, tem de ser homofóbico também) até chegar a A Garota Dinamarquesa” de Tom Hooper, passando pelas sitcoms dos anos 70, 80 e 90 e a representação cinematográfica de momentos históricos, como o ataque à Stonewall e o assassinato de Brandon Teena, até a cena gay oitentista nova-iorquina, com suas competições de drags em boates (os “balls”); toda essa visão é aprofundada pela inspiração que esses retratos tiveram na vida pessoal de cada uma dessas pessoas, que tiveram suas infâncias e suas carreiras moldadas por essas representações, e discutir o espaço que esses artistas têm hoje, ao mesmo tempo em que não esquece que ainda hoje eclodem casos como o de Jeffrey Tambor em Transparent.
As argumentações, positivas e negativas, sobre cada obra dão o tom do todo e abrem debates internos sobre nossa relação com filmes que já vinham apontando uma observação mais aprofundada (como O Silêncio dos Inocentes) e alguns que acreditávamos ter certa “blindagem”, como Meninos não Choram e Paris is Burning. O interessante é observar como nenhum filme é necessariamente atacado frontalmente, e muitos são, inclusive, muito elogiados, mas que a maioria esconde um subtexto que abre uma reflexão necessária: porque a violência permeia tão facilmente as histórias que precisam ser contadas?; porque não nos questionamos sobre a presença das câmeras em documentários que captam a essência das personagens, e não devolvem às mesmas as oportunidades que ganharam seus criadores? Nada com a intenção de rechaçar a qualidade e a potência de muitas obras, mas que tiram nossa reflexão da zona de conforto.
Esse olhar que analisa obras à sombra de suas próprias formações enquanto artistas e principalmente seres humanos é o que reconfigura nossa relação com o outro, que transforma a sessão de Revelação. Nada se compara a assistir a reação e ouvir as palavras da própria Laverne, e também de Chaz Bono, Candis Cayne, Jazzmun, Jamie Clayton, Lilly Wachowski e tantos artistas incríveis sobre como essa representação muitas vezes nociva alterou seu olhar sobre si mesmo… e sobre como, graças a essa bem-vinda nova organização, futuras gerações possam ter nelas e neles a inspiração que muitas vezes eles só puderam ter através do Pernalonga, e que mesmo com ele às vezes a falta de entendimento se fez presente.
Um Grande Momento:
A emoção da revelação de Sandra Caldwell.