Crítica | Festival

Our Son

Direito de desamar

(Our Son, EUA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Bill Oliver
  • Roteiro: Bill Oliver, Peter Nickowitz
  • Elenco: Luke Evans, Billy Porter, Christopher Woodley, Andrew Rannells, Robin Weigert, Phylicia Rashad, David Pittu, Francis Jue, Cassandra Freeman
  • Duração: 101 minutos

Sabem aquela expressão “eu nem sabia que precisava disso, até assistir”? Cai como uma luva em Our Son, produção que estreou em Tribeca e agora aporta na Mostra SP 2023 com injusto pouco alarde. Não porque estamos diante de algo extraordinário da existência e do plano cinematográfico, mas pelo exato oposto disso. Em 1979, o cinema estadunidense lançou o que seria um dos seus títulos mais paradigmáticos de um tempo, mostrando os valores que existiam nos indivíduos, que não os perderiam, após a dissolução de um casamento. Kramer vs. Kramer, que rapidamente seria chamado de dramalhão (o que passa longe de ser) e descartável em suas qualidades fílmicas, nunca deixou de ser um cortante retrato de seu tempo, e suas qualidades estão sim atrelados também a esse olhar, que desmistifica as decisões de uma mulher e recoloca o homem como alguém capaz de restituir sua versão tradicional, agregando humanidade a ambos. O filme de Bill Oliver faz pela comunidade gay o que o filme de Richard Benton fez pela sociedade, há 45 anos atrás. 

Esse é o seu segundo longa, e embora sua estreia tenha sido estrelada por Ansel Elgort (Jonathan), Oliver ainda não está descoberto, o que é no mínimo incomum, mas que beira o descaso com uma produção tão cheia do que dizer. Parece simples imaginar que um filme lançado há cinco décadas atrás ainda pareça relevante, a ponto de influenciar uma produção de 2023, mas é assistir Our Son para sabermos que pouca coisa mudou nas relações pessoais. As pessoas continuam querendo o mesmo desde o início dos tempos: amar e ser amado, mas acima de tudo que se reconheça tal amor. Isso implica em notar que quem está do nosso lado é constantemente alvo de uma série de outras ambições, e que precisamos ter a empatia de identificar no nosso amor o que sobra e o que falta. 

O que Our Son escancara não é apenas o outro lado da conquista dos direitos, mas também que por trás de leis, de aprovações de acordos e de tribunais, existem pessoas comuns que precisam também exercer seu livre arbítrio para o amor – e o desamor. As histórias felizes são mais fáceis de serem contadas, e nós da comunidade LGBTQIAPN+ temos conflitos de sobra para que uma história feliz nossa nunca seja apenas mais uma. O que o roteiro de Oliver e Peter Nickowitz revela é uma camada mais amarga da relação a dois, que é quando não existe mais uma, e a culpa é coletiva; há alguém para quem se apontar o dedo, mas há o reflexo na nossa direção também. O resultado é um filme adulto raro dentro do esquema dos grandes estúdios, não apenas pela temática ‘queer’, mas justamente por jogar um holofote adulto sobre esses personagens e suas inquietações. 

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Para incrementar tamanha responsabilidade social, o filme iria por água abaixo se houvesse uma dependência à mensagem ou algo que o valha – e que aqui é constantemente jogada para as entrelinhas. Felizmente, Our Son trata sua espinha dorsal como um microcosmos que forma outras linhas narrativas, que complementam e enriquecem o setor principal, assim como cria um coro positivo com o todo. É mais do que um grupo de amigos que tenha o que dizer, mas o suporte familiar que igualmente amplia as possibilidades centrais, sem tentar ir além do que precisa ser. Sentimos, em pouco tempo ou em mais um pouco, que as pessoas que compõem aquele painel são dotadas de personalidade, de amplitude de olhar e de voz ativa dentro do que é apresentado. É uma maneira muito carinhosa não somente de contextualizar o drama, mas mostrar que seus protagonistas não vivem em uma redoma, e que seu círculo de afeto possui outros seres tão humanos quanto eles. 

Esse coro que está em cena conta com a presença que gravitam de maneira orgânica por terem tanta experiência e talento para montar sua uniformidade, como Andrew Rannells, David Pittu, Francis Jue, Isaac Powell e a bela revelação infantil Christopher Woodley. Mas Our Son precisava que seus dois centros nervosos estivessem dispostos, e a surpresa aqui é dupla. De um lado, um Billy Porter que surpreende ao despir-se gradativamente da persona pública com a qual muitas vezes ele se arma; de outro, Luke Evans tem aqui um momento bastante alto da carreira, com uma interpretação comovente e combativa. Juntos, compreendemos tudo, desde a química que eles ainda têm até o vislumbre de algo que se esvai pelos dedos dia a dia. Poderíamos dizer que o filme tem nesses atores duas interpretações inesquecíveis, e são eles os motivadores de tamanha qualidade e coragem. 

Depois de mostrarmos que o cinema adulto está se ressignificando e apresentando saídas para encontrar um público que se conecte com o afeto distribuído a granel aqui e em títulos como Passagens e Vidas Passadas, a saída é podermos realizar um filme que precisa de clichês para mostrar suas escolhas. É um grupo que pretende mostrar que as pessoas cresceram e agora talvez não queiram mais a curtição tardia, e sim conectar-se com seu melhor e seu pior, mas sempre tentando compreender o todo. Our Son é a prova de que precisamos sim de diversidade não apenas sexual, mas também de olhar para o nosso cinema de sexualidade desviante e entender que precisamos ir até a marginalidade para adquirir então os direitos de poder sim amar e ser amado… até quando o outro decidir que não estará mais aqui. 

Um grande momento

Acusações, enfim

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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