Crítica | Outras metragens

Ronda Noturna

Códigos do fim

(Ronde de nuit, FRA, 2021)
Nota  
  • Gênero: Animação
  • Direção: Julien Regnard
  • Roteiro: Julien Regnard
  • Duração: 11 minutos

Em apenas 11 minutos, Ronda Noturna nos carrega para um universo de delírios inebriantes conseguidos durante um sonho de morte, em representação surrealista, capaz de provocar sentimentos de desespero. Essa é a atmosfera pretendida, transformar esse curto tempo de exibição em um mergulho no pesadelo, talvez só possível ao desencarnar. Sem diálogos mas repleto de som, a obra é radical ao nos deixar no campo das lacunas narrativas; o que está em cena é suficientemente nebuloso para que a subjetividade possa trabalhar livre rumo ao desconhecido. Esse é o campo da especulação, afinal o que acontece após o fim?

Julien Regnard não pretende responder, mas em trazer ainda mais elucubrações a respeito do “outro lado”. Os códigos estão dispostos com facilidade: após um acidente de carro quase fatal, um homem vê sua esposa ser levada por um corvo para uma festa enigmática. Esse elemento em questão está ali para ressignificar os ritos de passagem, e consegue colocar um dado especial na narrativa. Temos um casal assombrado por desavenças anteriores, que vê tudo ruir – casamento, amor, vida – diante de um acidente inevitável. O que acontece posteriormente são chaves para que tais discussões se anunciem. 

Não é literalmente sobre a Morte que estamos falando, mas da perda, e de muitas formas de desenvolver a aceitação a essas ausências. Ronda Noturna, na verdade, está dissecando um personagem que não aceita essa condição nova, e tenta se agarrar ao que já existiu, fugindo do novo e das tentações de rejuvenescer. Devemos deixar o velho morrer para a chegada do novo, e isso não está em pauta aqui, e sim o apego que temos ao que já está estabelecido e confirmado. Nosso protagonista está diante dessa possibilidade ancestral e não se dá conta de que o passo mais importante a ser dado é a da compreensão. 

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As técnicas de animação utilizadas no curta induzem ao lúgubre que permeia o fim de um ciclo. Todo em preto e branco e com tendências góticas, Ronda Noturna é uma produção rápida e até modesta, mas que resolve com funcional destreza os caminhos que desenha para sua dupla de personagens. Não como se livrar do fim, mas temos como encarar cada desfecho de maneira menos pesada; acordar enfim do que nos faz mal e mergulhar no futuro, ou perceber que a realidade é menos sombria do que imaginamos. Nos deixar levar pela sedução que Regnard empreende em seu conto de vida e morte, e do que pode existir entre um lugar e outro. 

Um grande momento
O mergulho com o corvo

[13º MyFrenchFilmFestival]

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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