Crítica | Outras metragens

Roubar um Plano

Dois perdidos

(Roubar um Plano, BRA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: André Novais Oliveira, Lincoln Péricles
  • Roteiro: André Novais Oliveira, Lincoln Péricles
  • Elenco: Renato Novaes, Adriano Araújo
  • Duração: 25 minutos

A assinatura de Roubar um Plano reúne dois nomes, André Novais Oliveira e Lincoln Péricles. Dois cineastas cujas filmografias até encontravam alguma ordem de aproximação, mas na minha visão, se comunicam muito menos do que as declarações apaixonadas sugerem. Oliveira, apesar do flerte explícito com o fantástico muitas vezes como em Quintal, seu lugar como autor é expresso através da aparente simplicidade abraçada pelo naturalismo; o hibridismo que promove com esse viés oposto é o que tantas vezes elevou seu material. Já Péricles parece perseguir um formato de eterna inquietação e denúncia social, que passa longe do que “precisa ser feito ou dito”. Essas duas visões se esbarraram e o resultado disso é tal amálgama do que os dois vêm construindo em suas carreiras. 

Da porção André temos a proximidade tátil com esses dois homens, com essa leitura profunda com questões humanas tão frugais quanto verdadeiras. O universo que o cineasta apresenta é tão já facilmente reconhecível, que entendemos Renato Novaes e Adriano Araújo num piscar de olhos. Suas dores, suas tensões emocionais, o que os move (e eles se movem, viu?), em apenas 25 minutos compreendemos toda a dimensão daqueles dois homens, e o quanto suas existências são perfuradas pelo que a cidade produz de sacrifício. Parece muito pouco tempo de desenvolvimento, mas André chegou a uma maturidade – ou a constrói ininterruptamente – que suas narrativas, na duração que for, guardam universos inteiros. 

Da porção Lincoln, temos as relações pessoais dos seres com as coisas inumanas que os compõem, mas não os transformam. Parte desse cineasta um desejo de ler os múltiplos papéis sociais que os seres podem desempenhar no coletivo, e o tanto que o mundo habitado por eles responde, geralmente de maneira diversa à seu movimento. Como se fora um cabo de guerra, onde os personagens regem a narrativa para um lado, enquanto as coisas são como são e vão exercer sobre a vida um carregamento de contrariedades. O cineasta paulista lida com a política sem sisudez, mas com uma dose de escárnio que se conecta com o espectador e transforma a obra, que sai do espaço público e encontra uma representação dentro de um grito que nem sempre é traduzido da maneira esperada. 

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O pilar de Roubar um Plano é seu caráter híbrido, que acaba sendo um artefato de sua existência. Porque a comunicação entre seus autores acaba fazendo surgir pela tangente uma espécie de urgência particularizada, onde o mais importante é o agora, e esse agora é traduzido de maneira parcimoniosa. É uma possível contradição que acaba refletindo as porções de cada um em suas personalidades, apresentadas de maneiras muito frontais aqui. Quando percebemos, houve uma captura a respeito de essências complementares, afinal O Dia que Te Conheci e Mutirão: O Filme se comunicam de muitas maneiras. Para longe das semelhanças, o mais importante é observar o que leva aqueles personagens a uma espécie de estupor do deslocamento. 

Isso também provoca um rearranjo do que seria um filme tradicional sobre os espaços, porque são constantemente Renato e Adriano que saltam do plano, e por quem os planos pedem passagem. Existe uma hipnose em acompanhar duas pessoas que precisam encontrar seu próprio lugar, ao celebrar a ausência de perspectiva, e mostrar a busca por um caminho como o caminho em si. Não é a tradição do clichê do filme de estrada (‘o mais importante da viagem é o caminho’), mas uma outra configuração de arranjo narrativo. Procurar dizer que não há uma saída próxima, e assumir pra si que não há saídas para o futuro. O que resta, afinal, é o encontro; nesse sentido, Roubar um Plano encontra ecos em Baixo Centro, para mostrar o que podemos fazer no espaço urbano quando a solução seria evadir. 

Ao assumir a impossibilidade como uma escolha, e decidir explorar os tempos de ausência, Roubar um Plano alia dois cineastas cuja comunicação aqui é um estado natural que segue dois personagens para mostrar que o futuro das relações é a compreensão de seu estado de espírito. Quando não há expectativa a curto prazo, o futuro será desvendado aos poucos, passo a passo. 

Um grande momento

A ladeira

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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