Assim que foram anunciados os indicados às categorias de melhor ator, atriz, ator coadjuvante e atriz coadjuvante, uma triste constatação foi feita: pelo segundo ano consecutivo não havia na lista de indicados nenhum representante negro.
A reação na internet foi imediata, com as tags #OscarsSoWhite (Oscar tão branco) e #OscarsStillSoWhite (Oscar ainda tão branco) invadindo as redes sociais, e várias manifestações contrárias de cineastas e artistas, com o anúncio de boicote pelos diretor Spike Lee e atriz Jada Pinkett Smith.
Em nota enviada hoje (19) à imprensa, a presidente da Academia de Arte e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos, Cheryl Boone Isaacs, primeira afroamericana a ocupar o cargo, posicionou-se sobre o assunto.
Apesar de reconhecer o maravilhoso trabalho de todos os indicados, ela afirma estar frustrada com a falta de inclusão. “Esta é uma conversa difícil, mas necessária, e chegou a hora de grandes mudanças”.
Isaacs cita o esforço que tem feito como presidente para alcançar uma pluralização de todas as representações sociais. Desde que assumiu, preocupa-se com a questão da inclusão não apenas no que se relaciona aos associados, mas também ao mercado de forma geral. Uma de suas medidas, anunciada no Governors Ball de 2015, foi a criação da meta A2020, que estimula a indústria cinematográfica a dar mais oportunidades às minorias em seus filmes.
Segundo Isaacs, os resultados das medidas não são tão rápidos como ela esperava, é preciso fazer mais, melhor e ainda mais rápido. Ela se comprometeu a reavaliar nos próximos dias e semanas o recrutamento de novos membros.
Leia a nota enviada à imprensa:
“Eu gostaria de reconhecer o maravilhoso trabalho dos indicados deste ano. Enquanto nós celebramos seus talentos extraordinários, estou com o coração partido e frustrada pela falta de inclusão. Esta é uma conversa difícil, mas importante, e chegou a hora de grandes mudanças. A Academia vem tomando medidas drásticas para alterar a composição de nossa sociedade. Nos próximos dias e semanas, vamos fazer uma reavaliação do recrutamento de nossos membros, a fim de trazer a tão necessária diversidade de 2016 para frente.
Como a maioria de vocês sabe, implantamos mudanças para diversificar nossa sociedade nos últimos quatro anos. Mas o resultado não foi tão rápido quanto gostaríamos. Precisamos fazer mais, melhor e mais rápido.
Isto não é sem precedentes na Academia. Nos anos 1960 e 1970 foi sobre recrutar membros mais jovens para permanecer vital e relevante. Em 2016, a proposta é inclusão em todas as suas facetas: gênero, raca, etnicidade e orientação sexual. Nós reconhecemos as reais preocupações de nossa comunidade, e eu aprecio todos vocês que me estenderam a mão neste nosso esforço em avançar juntos.”
Boicote
Em entrevista logo após a coletiva de imprensa do anúncio, o cineasta Spike Lee, que recebeu um prêmio honorário da Academia em 2015, afirmou em entrevista que as coisas continuam como sempre. “Toda vez eu digo a mesma coisa: até que nós assumamos uma posição de poder, com sinal verde para votar, isto não vai mudar”, afirmou. Segundo ele, “podemos ganhar um Oscar aqui ou ali, mas um Oscar não vai mudar o modo como Hollywood faz negócios. Não estou falando das estrelas de Hollywood. Estou falando dos executivos. Nós não estamos dentro da sala”.
Nesta segunda-feira, o cineasta anunciou o boicote à cerimônia, que acontece no dia 28 de fevereiro. Em postagem no seu Instagram, Lee citou Martin Luther King para justificar a atitude: “Há momentos em que temos de tomar uma decisão que não é sensata, não é política, não é popular, mas a sua consciência lhe diz que é correta”, disse.
A atriz Jada Pinkett Smith, esposa de Will Smith, um dos cotados à indicação de melhor ator por seu trabalho em Um Homem entre Gigantes, também anunciou que vai boicotar a cerimônia e afirmou que a comunidade negra não precisa mais implorar por amor, respeito e reconhecimento.
Candidatos ignorados
Assim que os anúncios foram feitos, surgiu a questão se o problema estava na escolha dos votantes ou na oportunidade dada aos atores negros. A resposta fica clara até em uma análise mais superficial.
Poucos são os filmes entre os mais “trabalhados” – aqueles que contam com campanhas arrojadas de marketing e um lobby poderoso – que contam com atores negros em seu elenco. Entre os títulos estão Straight Outta Compton – A História do N.W.A, Os Oito Odiados, Um Homem entre Gigantes e Beasts of no Nation.
Creed: Nascido para Lutar, outro que poderia integrar a lista, foi lançado apenas em novembro e não teve tempo suficiente para fazer uma campanha de peso, mas ainda assim aparece representado na categoria melhor ator coadjuvante, com seu intérprete branco Sylvester Stallone.
Não foi o caso de Straight Outta Compton – A História de N.W.A, que embora tenha tido sucesso absoluto de público, parece não ter cativado os membros da Academia. Talvez por não gostarem de rap, um gênero de música que pode não agradar muito. Mas o filme também estará representado na cerimônia, concorrendo a melhor roteiro. Os quatro roteiristas do filme, Jonathan Herman, Andrea Berloff, S. Leigh Savidgee Alan Wenkus, são brancos.
Os votantes
Não há como se ter acesso à lista de 5.765 membros da Academia. Os convites são divulgados, alguns nomes são mais possíveis do que outros, mas a lista completa, não é pública. Uma pesquisa do jornal Los Angeles Times, realizada em 2012 com a confirmação de mais de 5.100 membros, apontou a falta de diversidade na sociedade àquela época. Segundo o jornal, aproximadamente 94% dos membros eram caucasianos e 77% do sexo masculino. Negros compunham cerca de 2% da Academia, enquanto latinos são menos de 2%.
A idade média, segundo o mesmo estudo, era de 62 anos, sendo que apenas 14% dos membros era de pessoas com menos de 50 anos de idade. A análise dos branches – grupos para categorias específicas que determinam os pré-indicados – é ainda pior. Segundo o Los Angeles Times, 90% dos membros desses ramos são brancos, com exceção do de atores, onde a porcentagem ainda alta, caía para 88%. Nos branches de executivos e roteiristas, a porcentagem era de 98%.
Atualmente, a diretoria da Academia tem uma página de apresentação em seu site. Embora tenha equilibrado o problema com a participação feminina, hoje são 17 branches e 17 mulheres presentes na diretoria, contando com a CEO Down Hudson, categorias como fotografia, som, música, curta-metragem e animação, e efeitos visuais ainda não contam com mulheres “governadoras”, como eles chamam. O problema racial, por outro lado, ainda pode ser facilmente constatado pelas fotos.
O questão das minorias, em específico dos afrodescendentes, obviamente não está apenas na composição da Academia e também pode ser percebida nas telas. Quase não se veem negros como protagonistas em longas-metragens produzidos nos Estados Unidos e nem em papéis secundários, embora a presença seja maior nesse caso.
Além de Hollywood
O movimento é o mesmo de longe. Nesse período de Oscar pipocam listas com previsões e preferências para as indicações, quantos atores negros estavam nessas listas? Entre os brasileiros, um ou outro incluiu Idris Elba como melhor ator coadjuvante por Beasts of no Nation em sua lista de apostas e menos ainda na lista de preferência.
Na imprensa dos Estados Unidos, considerando-se as associações de críticos, fez praticamente a mesma coisa nas categorias de atores. Michal B. Jordan, que intrerpreta o protagonista de Creed: Nascido para Matar, apareceu nas listas de Boston e foi eleito o melhor ator pelo Sociedade Nacional de Críticos de Filmes.
Nos coadjuvantes, Idris Elba se destacou para as sociedades de críticos do Norte do Texas e de Washington DC. Já Tessa Willians, a namorada de Creed, só recebeu o prêmio do Black Film Critics Circle.
As coisas só mudam quando se fala das escolhas da Associação de Afroamericana de Críticos. Will Smith foi escolhido como melhor ator em Um Homem entre Gigantes; Teyonah Pariis, como melhor atriz em Chi-Raq; Jason Mitchell, como melhor ator coadjuvante em Straight Outta Compton: A História do N.W.A, e Tessa Thompson, como melhor atriz coajuvante em Creed: Nascido para Lutar.
Nas publicações individuais a coisa se mantém. A Vanity Fair colocou entre seus desejos uma nomeação a Samuel L. Jackson como coadjuvante em Os Oito Odiados, mas ele não está na lista de previsão. A Collider lembrou de Idris Alba como coadjuvante, mas em sua lista de previsão. Idris Elba também foi lembrado nas listas da Vanity Fair e da The Wrap, e enquanto a primeira apostou em Will Smith como azarão, a segunda foi de Michael B. Jordan. A coisa fica mais ou menos entre esses nomes, sem muitas alterações.
E é por isso que a todos aqueles que fazem parte desse mundo de cinema, seja como jornalista, cinéfilo, crítico ou comentarista, vale uma reflexão: naquela lista que você fez com os nomes que gostaria de ver indicados, quantos deles eram negros?