Se Eu Tivesse Pernas, Eu Te Chutaria parte de algo simples. A diretora Mary Bronstein aproxima a câmera de Rose Byrne e constrói um filme onde cada ação parte desse corpo cansado. Não há espaço. Linda está sempre em primeiro plano, e o mundo ao redor só existe na medida em que agrava esse estado de alerta permanente. A imagem insiste nesse acúmulo de tensões, como se o longa inteiro respirasse no mesmo ritmo curto da protagonista.
Bronstein filma a rotina de presenças ausentes de Linda sem grandes explicações. As ligações do marido, sempre rápidas e funcionais, revelam mais pela frieza do que pelo conteúdo. O trabalho como psicóloga aparece como ironia, já que o filme insiste na contradição entre o que ela orienta aos outros e o que ela própria consegue fazer. Já as consultas com o seu analista, personagem de Conan O’Brien, reforçam vínculos viciados e a realidade da solidão. As cenas no consultório tentam enganar e fingem estar buscando uma piada, mas o ponto que alcançam é o incômodo.
A escolha de deixar a filha fora do quadro a maior parte do tempo também acentua a lógica da encenação. É como se Linda carregasse uma presença constante que nunca se materializa. Isso produz uma estranheza e o que importa é o efeito dessa ausência, não a criança em si. A câmera registra o desgaste dela enquanto o quarto de motel, os sons repetitivos, as luzes, e a falta de horizonte compõem uma espécie de território provisório onde nada se estabiliza.
Byrne, fantástica, entrega uma interpretação que entende o limite do colapso, mas sem explosões dramáticas. O que marca é a constância do descontrole e nada desaba de uma vez. O teto que cai no início só expõe o que já estava cedendo e Se Eu Tivesse Pernas… acompanha esse processo com uma frieza paciente. Cada plano parece nascer do esforço dela para manter alguma forma de continuidade, mesmo que tudo indique a falência desse projeto.
A diretora recusa o caminho da redenção. Não há catarse nem reorganização moral. A narrativa se organiza como a tentativa de sobreviver ao próprio dia, sem promessa de sucesso e o filme termina no mesmo terreno instável em que começou, mas com camadas mais visíveis de desgaste e lucidez. A força dele está justamente nessa persistência desconfortável, sem nada resolvido porque Linda não tem energia para resolver nada
Se Eu Tivesse Pernas, Eu Te Chutaria é um retrato duro de uma mulher esmagada por responsabilidades que os outros fingem compartilhar. Byrne sustenta o filme com uma presença seca, contida, desesperada e que causa empatia mesmo que não consiga ser simpática. Bronstein filma o esgotamento sem exagero, sem buscar o melodrama e sem transformá-lo em espetáculo. O resultado é um estudo de personagem direto, inquieto, e muito consciente do que escolhe mostrar e do que prefere esconder.
Um grande momento
Caroline vai ao banheiro


