- Gênero: Terror
- Direção: Kyle Edward Ball
- Roteiro: Kyle Edward Ball
- Elenco: Lucas Paul, Ross Paul, Jaime Hill, Dali Rose Tetreault
- Duração: 100 minutos
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Que o circuito está repleto de filmes de terror, isso é uma realidade. Quase uma estreia por semana, as produções geralmente tem retorno que justifique essa profusão de opções. No entanto, raras são os momentos onde algo como Skinamarink: Canção de Ninar aparece para ocupar um desses lugares. Nascido da expectativa e da curiosidade acerca de seu conteúdo inusitado, em trailers que conquistaram por sua contenção, o filme foi comprado para distribuição no país, para surpresa de muitos cinéfilos, que não esperavam vê-lo dividindo o circuito com obras muitos populares como Pânico VI. Não é como se estivéssemos diante de títulos de sofisticação mais óbvia, como Pearl; o que vemos aqui é de uma ordem que pede passagem ao experimentalismo.
Escrito e dirigido pelo canadense Kyle Edward Ball, Skinamarink tem apenas um quarteto de personagens em cena, e sua ação transcorre em uma madrugada escura quando o pequeno Kevin descobre que foi deixado em casa ao lado da irmã igualmente pequena pelos pais. Aos poucos, sua casa parece sofrer transformações de ordem prática em meio a escuridão, e aos poucos sua solidão vai sendo substituída por uma espécie de amigo imaginário. Toda essa ação poderia transcorrer de maneira naturalista, cabe um filme de trajetória reconhecível nessa premissa, mas essa não era a ideia do seu autor. O que é visto aqui até encontra eco em determinadas coisas dos trabalhos imagéticos, como Atividade Paranormal, mas o recheio é bem independente daquele ‘modus operandi’, e bem mais próximo ao sensorial que ao mecânico.
O que vemos é um recorte do medo, quase que em radiografia literal do que tem de mais primordial. Partindo do princípio onde precisa-se filmar o abandono de duas crianças em meio ao desconhecido, Skinamarink: Canção de Ninar ameaça embalar tais sequências com atenção exclusiva ao detalhamento. É a partir desse ponto específico e subjetivo em cada plano que o filme desenvolve seu conflito praticamente mudo; não há o que investigar de concreto na produção, tudo gira em torno do desespero crescente de Kevin. Não vamos descobrir juntos aos seus protagonistas mirins o que será que lhes resta, mas sim do que se ocupa o breu da noite. É uma dinâmica reflexiva acerca do que cabe na formação do artifício, que é o centro nervoso de um filme de terror.
Ainda que seu recorte busque a experimentação, que seu recheio não encampe o que costumamos ver sendo entregue pelo gênero, Skinamarink nunca abre mão de sê-lo. Na tela, vemos os códigos do terror sendo reconduzidos para uma outra atmosfera, que exige um tempo mais alongado da ação, aproximando justamente sua aparência ‘sui generis’ de uma leitura do horror real do cotidiano. Entende-se como tal a atmosfera de crescente pânico como a da solidão infantil noturna, que até podemos diminuir sua importância agora, mas que define a criação de traumas que podem ser permanentes. A utilização que o filme faz dessa ideia é envolvente e nos coloca na pele de um menino de 10 anos apavorado com o desconhecido.
O mais interessante é que não se trata de apenas ilusão imagética que se trata. O que Ball cria permite essa sensação de paranoia do que estaria ou não se tornado visível, para cada um, mas vai além do naturalismo também porque isso é inerente ao gênero, que lida com o fantástico. Portas que desaparecem e eventualmente reaparecem trazendo um novo integrante para a casa é uma das chaves que permite a Skinamarink: Canção de Ninar explorar uma dubiedade entre o possível e o inimaginável. E é exatamente essa a intenção da produção, colocando em linhas paralelas os dois mundos sob a qual aquelas vozes representam, e nos mostrando possível a interconectividade que permite essa ideia.
Sons e imagens difusas só tornam a experiência mais angustiante do que tantos outros filmes causaram recentemente. Porque o trabalho é tão essencial para a imersão, manter o espectador assombrado e seduzido (no que ambas as expressão têm de comunicação) é essencial para olhar esses códigos e se deixar levar por uma experiência de investigação profunda de audiovisual. O que está por trás do que parece não ser nada, em textura e ruídos? Do esforço de reconhecer imagens, seus relevos e seus posteriores significados, é que a produção tão aparentemente modesta ganha alcance cada vez mais evidente. Por trás de cada plano há algo, ou será que não? E cada silêncio significa alguma coisa, traduz alguma sutileza que não está disposta na obviedade. A ideia é se desprender do externo e das expectativas, para abraçar uma ilusão oriunda do obscuro.
Parte do público já se mostra desconfortável à radicalidade da proposta, da ausência de som amplamente audível, ou de imagens que possam definir algo, diante do abstrato. Mas é justamente por permitir esse mergulho em momentos anônimos que a estrutura de Skinamarink: Canção de Ninar é tão eficaz, no que provoca de estranhamento através do processo, e suas tintas muito mais próximas de nós do que gostaríamos de presenciar. É dessa profundeza que o medo pode até não vir com tanta intensidade, mas que é capaz de mostrar as possibilidades desse sentimento. Estão todos dispostos, o abrir e fechar de portas entre diversos mundos, entre a nossa segurança e o nosso abandono absoluto.
Um grande momento
O telefone infantil