Crítica | Festival

Sofia Foi

Sem cerimônia para o adeus

(Sofia Foi , BRA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Drama, Suspense
  • Direção: Pedro Geraldo
  • Roteiro: Pedro Geraldo, Sofia Tomic
  • Elenco: Sofia Tomic, Sofia Carvalheira, Heloísa Ribeiro, Jorge Neto, Paulo Tadashi, Guilherme Françoso
  • Duração: 66 minutos

Não está somente em Sofia Foi essa constante sensação de inadequação emocional, de não-pertencimento geográfico, de terror social. Essa é uma característica esperada na juventude, que se agravou com a presença da covid-19 em nossas vidas. A partir da pandemia, o que já era desconfortável e dolorido, ganhou status de exasperante. O impulso de auto conhecimento e da precisão em determinar alguns pontos destoantes estão na protagonista do filme, e movem essa narrativa ao tradicional naturalismo do cinema brasileiro, mas que ousa em possibilitar horror a essa mesma leitura realista de 24 h na vida de alguém. Esse hibridismo é um dos motivos pelo qual os acertos aqui são seguidamente transformadores na forma como percebemos a obra. 

O diretore Pedro Geraldo utiliza de um canal de observação com sua protagonista muito forte para contornar o espaço de 24 horas seguindo sua existência, desde acordar a voltar a sonhar. A câmera está à flor da pele, definindo seus contornos por vezes físicos, mas sem deixar de explorar o metafísico. Conseguem reger delicadamente seus signos essa direção muito inspirada que não apenas oxigena os ambientes e as relações, como também o que o cinema costuma guardar para esse personagem-chave. Sofia Foi acaba mostrando que seu campo de possibilidades é imenso e não tem fim, porque a investigação fílmica que se considerou aqui é abrangente. Em sua curtíssima duração para um longa, o trabalho de Geraldo desfolha suas certezas para descobrir uma personagem que pede nosso olhar. 

Sofia é uma figura errante. Precisa tirar suas coisas de um quarto que está incomodando, precisa trabalhar para se manter, precisa tentar estudar para não ser jubilada, precisa não lembrar do passado… mas nada disso são opções. Sofia Foi nos mostra uma figura exasperada com um futuro incerto, por estar diretamente ligada ao conceito de fim quase ininterruptamente. Tudo está em vias de término, como o fechamento de um ciclo coletivo que parece anunciar uma passagem de bastão para uma fase ainda desconhecida, mas que de alguma maneira é desejada. A personagem-título flerta com essa dualidade, ela quer o novo e frontalmente o procura, ao mesmo tempo em que está presa a um tempo morto. 

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A montagem de Geraldo e Manoela Cezar nos convida a adentrar esse transe que o filme tenta materializar. É constante o uso de imagens sobrepostas, que desafiam espectador e personagens a organizar o sentido do que está acontecendo de fato. Há alucinação tanto diante da paixão quanto diante do horror, e também diante de uma pulsão de morte que empurra os eventos para frente. Apesar das poucas horas com o qual nos envolvemos com a narrativa, creio ser correto dizer que Sofia Foi se traduz pela incerteza que seu ritmo estabelece. Os sons vazam das imagens originárias e surgem em versões oníricas de suas elaborações, e a maneira como tais elementos se elencam em seus planos triplicados encontra eco no que faz Arthur Tuoto em seu Foram os Sussurros que me Mataram, mas aqui tal uso encontra implosão emocional rara.

É crua a forma com que a ação se funde aos devaneios, que acabam por transportar Sofia Foi para um lugar onde o conforto está na perda. Como se pronta a não mais estar, Sofia passa então a equalizar seus encontros de maneira definitiva, para que uma nova fase surja limpa à sua frente. Assim como a justaposição de planos indica sua gradual ausência de clareza, também essa movimentação cria fantasmas visuais que definem um gênero para onde o filme irá promover uma ponte. Entre a maneira sensível com a qual escolhe um estado depressivo para estabelecer contato com outros seres, e as formas que elaboram um ímpeto assombrado em cada jogo de plano, Geraldo não deixa de mostrar em nenhum momento que os acontecimentos estão prestes a desaparecer, ou fundir-se a uma nova realidade.

Os espectros que compõem o campo do filme mostram um outro momento de uma certa juventude, que não é recente. Ele engloba uma quantidade tão excessiva de respostas ao tempo que se espera, gerando um acúmulo de elementos que não surpreende o alvo, porque invadem o plano com uma força fantasmagórica jogando o filme para o horror, um horror que está na vivência de cada um. Em Sofia Foi, o gênero chega para centralizar o fim de um período; não somos mais tão jovens, e as responsabilidades que automaticamente chegaram, cobram um preço alto demais. É tempo de perder… e tá só começando. 

Um grande momento

O diálogo com o amigo há muito ausente

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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