Crítica | Streaming e VoD

Sol

Antipatia a toda prova

(Sol, FRA, 2020)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Jézabel Marques
  • Roteiro: Jézabel Marques, Vincent Cappello, Faïza Guene
  • Elenco: Chantal Lauby, Camille Chamoux, Giovanni Pucci, Serge Bagdassarian, Yannick Renier, Dominique MacAvoy, Jézabel Marques, Irina Ninova, Thierry Lopez, Cyril Garnier
  • Duração: 98 minutos

Em determinado momento de Sol, estreia no catálogo do Telecine e na programação dos seus canais a cabo, a personagem título declara sobre sua nora: “nossa, como essa mulher é chata, como meu filho se encantou por ela?”. Sol tem razão, sua nora Eva é controladora, uma mãe pouco atenciosa com o filho pequeno que clama por atenção, reclama de tudo e tem inúmeras manias em relação ao próprio trabalho e ao quarto que aluga, ou seja, uma chata de galochas. O que acabou gerando uma criança igualmente chata e falastrona, mimada e cheia de vontades, nada simpática. O que Sol não percebe é que ela mesma é metida, arrogante, que se cerca de subterfúgios para conseguir o que quer, muito pouco empática, dona de um humor quase preconceituoso. Ou seja, são três chatos.

A estreia na direção da atriz Jézabel Marques precisa lidar com esse grande empecilho, uma comédia dramática complexa para simpatizar, tendo em vista que seu trio protagonista incomoda, literalmente. Quando o espectador acha que uma atitude de um deles é suficientemente irritante, algum outro retruca com uma ação ainda mais desagradável, seja um diálogo, um pensamento ou mesmo na relação entre si. Como então embarcar na proposta da trama, que inclusive tem uma delicadeza familiar que pode harmonizar com o público em busca de uma narrativa tradicional e sem sobressaltos, conduzida por laços familiares não revelados?

Sol (2020)

Descobrir a humanidade em meio a idiossincrasias de seus protagonistas, ou fugir de um roteiro escrito a seis mãos (Marques, além de Vincent Cappello e Faïza Guene – três estreantes no cinema) repleto de estereótipos a respeito da inadequação social, que afastam mais do que atraem o espectador. O desafio enfim é em como envolver o espectador nesse jogo cênico que repele o público e aos poucos, ainda que lentamente, começa a se desenhar algum elo de ligação com aquele universo que parece se encaminhar cada vez mais para complicações, daqueles casos onde vemos e pensamos “porque fulano tenta dificultar a vida com mentiras, quando a verdade resumiria os problemas?”. É isso, a verdade daria a Sol a duração de um curta metragem.

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Eventualmente, Sol e Eva se encaminham para um reconhecimento do que as une em suas personalidades controladoras. Uma ausência as coloca em pontos comuns, mas enquanto a cantora de tango procura o afeto no próximo em busca do que perdeu, sua nora se afastou do contato físico, transformou negativamente a vida do filho e tem algum tipo de fobia do trato social de maneira geral. Quando o filme interconecta essa duas maneiras de lidar com o luto que não foi ainda devidamente aplacado, enfim o filme ganha ritmo e interesse para além do clichê e das técnicas cômicas tradicionais; é o momento onde se reconhece enfim o interior de cada uma.

Sol (2020)

Sem uma cinematografia que prenda o espectador, Sol caminha até o fim através de um roteiro sem inspiração que não trata bem seus personagens até transformá-los. Isso vindo de uma autora que também é atriz, fazendo até uma participação no próprio filme (esse personagem, por exemplo, é muito avulso e nada acrescenta à narrativa), é uma decepção, tendo em vista que nem parece preocupada em montar um bom meio de campo para seu jogo acontecer mais fluido. Mesmo um passatempo – ou principalmente um – necessita de nosso comprometimento, que demora muito a acontecer aqui, e quando enfim o jogo desempata, fica clara a manipulação vazia do produto.

Um produto raso de identificação ao público médio, aquele que só quer se distrair por uma hora e meia na frente da tv, esse é o destino do longa de Jezabel Marques. A definição final de Eva a Sol (“eu não consigo odiar você”) cai como uma luva ao filme, que obviamente faz o possível e o impossível para agradar ao máximo de espectadores, ainda que apresentando um grupo de tipos dos menos agradáveis possíveis, cheios de suas chatices particulares que não cansam de mostrar seus defeitos. Assim são Sol, Eva e Jo… assim é Sol.

Um grande momento
A cigarra e a formiga

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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