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X – A Marca da Morte

Cobertura e recheio

(X, EUA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Terror
  • Direção: Ti West
  • Roteiro: Ti West
  • Elenco: Mia Goth, Jenna Ortega, Brittany Snow, Kid Cudi, Martin Henderson, Owen Campbell, Stephen Ure
  • Duração: 105 minutos

Há mais de um filme em X – A Marca da Morte. E não estou sendo óbvia aqui e falando daquele que o grupo vai rodar em uma fazenda isolada no Texas, muito menos dos muitos outros títulos que referenciam essa obra com cor, roupa e pose de passado. Não é também uma divagação sobre a influência das intenções e vivências na construção de um filme, para quem o faz e para quem o consome. A multiplicidade do longa está em si mesmo, no fato de, enquanto obra, ter uma unidade, mas poder ser facilmente separado e ser dois com qualidade, mensagem e força distintas. 

Há uma história básica: um grupo de adultos que aluga uma propriedade rural isolada no Texas de um homem muito, muito velho para filmar aquele que seria o mais revolucionário dos filmes adultos, e as duas formas “independentes” que ela assume. Em seu desenvolver-se, o longa vai cada vez mais possibilitando esse distanciamento entre elas. A forma que fala aos sentidos de forma direta, divertindo e provocando os instintos, como bom terror que é; e seu conteúdo que provoca outras reações, de uma outra ordem algumas, acertando e errando em complexidades. 

Nesse esmiuçar, é como se fosse possível separar o que está por fora e o que está por dentro para além de imagem e mensagem no usual jogo metafórico do cinema e, ainda mais especificamente do horror. X é casca e recheio em uma outra condição de relação entre as partes justamente pela distância que há entre elas, a tal “independência” citada. E não há comprometimento da experiência. Funciona muito bem enquanto o cinema de gênero que intenciona ser e, bem ou mal, cria a base para a elaboração de sua questão principal, sem deixar de levar em consideração contexto, pertinência e situação. 

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É fácil se envolver com o filme de Ti West, que assina a direção e o roteiro. Não há nada de muito novo naquilo que se vê. Guardadas as especificidades da trama, há familiaridade na apresentação dos personagens e no desenvolver da jornada. Até mesmo indo em níveis mais elaborados, nesse movimento para fora da cidade, a posição de ruptura com a estrutura moral, o que está em tela já é conhecido. O cineasta, como se nos levasse em uma longa viagem ao passado, sabe manipular elementos muito caros aos amantes do gênero e casa tudo muito bem. Do ser inesperado ao gore rasgado, passando pelo jumpscare, o princípio elementar de ser capaz de despertar reações em quem assiste ao filme é atingido com sucesso. 

O passado, não está só na sensação, nesse resgate e apropriação. Sua narrativa se dá em tempos idos e são os anos 1970 ali, ressaca do movimento hippie, começo da explosão popular do cinema adulto com Garganta Profunda fazendo um sucesso inesperado, e as guerras citadas a todo momento. Mais do que o passado, está o tempo, que não para nunca, e sua associação entre aqueles que estavam e os que chegam, o que está fora e o que está dentro. Em seu resgate dos anos Nixon e a “então” moralista sociedade, West parte de um lugar interessante sobre o rompimento de padrões estabelecidos sobre sexo e monogamia, encontrando questões mais complexas.

Seria apenas um retrato, se a História não levasse sempre ao mesmo ponto e se X não encontrasse o mundo com outra forma e tecnologia, mas costumes e sentimentos semelhantes no que diz respeito à família, sexo e liberdade individual. Vindo após uma avalanche de externa-direita que exalta retrocessos e a volta dos valores mais reacionários, o filme relativiza o tempo. No ontem estão os discursos de televangelistas de hoje, e as discussões sobre os mesmos temas, mesmo entre os seus, tomam ainda rumo similar. 

Além do interpessoal, em uma outra instância do tempo, o longa busca o seu ponto de maior destaque. É onde se atrapalha (por também estar perdido no tempo… a ironia) e se você ainda não assistiu, é melhor esperar para ler isso. O horror de X está calcado em envelhecer, nas impossibilidades que vêm com esse envelhecimento. Indo além do gráfico, há muito sentido em toda a configuração de época, na insinuação de um cinema adulto para elaborar a representação de algo antigo e do desejo sentido e não realizado, porém, ao personificar suas intenções, quando realmente elabora o quadro de perda daquele poder sobre o corpo, força em interações e realiza o que falou ser impossível durante todo o tempo, esvaziando as próprias motivações, mais ainda, demonstrando toda a sua relação problemática com o próprio tema.

Mas é aquilo, nada que não se recupere com o ansioso próximo passo da final girl, retomando mais uma figura clássica do gênero, pois o longa é mesmo duas coisas em um. Muito antes de se pensar em tudo isso, a tensão de todos os acontecimentos na fazenda isolada com daquele casal esquisito, cercada por um lago cheio de jacarés, toma conta da gente. Habilidoso na manipulação da tensão e competente na provocação, X dá margem para diversões e pensares diferentes, vai do gosto do freguês. 

Um grande momento
Nadando no lago

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Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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