Crítica | FestivalMostra SP

Stardust

(Stardust, GBR, 2020)

  • Gênero: Drama
  • Direção: Gabriel Range
  • Roteiro: Christopher Bell, Gabriel Range
  • Elenco: Jena Malone, Johnny Flynn, Marc Maron, Jimmy Star, Anthony Flanagan, Aaron Poole, Lara Heller, Roanna Cochrane
  • Duração: 104 minutos
  • Nota:

Em uma época particularmente triste, no outono do ano de 1971, David Bowie estava tocando em pequenos pubs no East London e ao final de uma ‘gig’ admitiu ao jornalista Steve Peacock que se sentia “desanimado – um velho roqueiro desiludido”. Esse momento de desamparo, após sete anos de carreira e três álbuns lançados – mas ainda sem alcançar o estrelato – é o mote de Stardust, filme selecionado para a 44ª Mostra de São Paulo.

O pecado mortal de (mais essa) cinebiografia não é a grandiloquência, mas sim a falta de propósito em existir. Nem a viúva de Bowie, Iman, nem o filho mais velho, Duncan “Zowie” Jones autorizaram o uso das músicas do falecido astro ou mesmo deram dia benção para a escolha de Johnny Flynn como a contraparte ficcional. Mas seria isso realmente um problema?

Fato é que Stardust é um filme tão perdido em saber o que é quanto o Bowie na fase pré-chegada do Zowie e nascimento do alter ego marciano Ziggy, e isto está longe de ser um elogio. Tomando o exemplo de Velvet Goldmine, aquele que talvez seja o mais brilhante dentre os filmes que se inspiram nas histórias de rockstars, Todd Haynes tampouco teve a autorização de Bowie – ainda vivo – para contar a história cheia de controversas da fase setentista, mas tratou de seguir em frente com o projeto, Bowie virou Brian Slade, duas superbandas foram montadas – Wylde Ratttz e Venus in Furs – e todos os personagens, signos, códigos presentes na biografia e nos álbuns de Bowie estavam lá. Até uma Angie, bem mais interessante e menos aborrecida do que a feita por Jena Malone (que só berra).

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Stardust, biografia de David Bowie

Marc Maron, comediante e atoraço, tenta sustentar um pouco o filme e deia a história menos enfadonha mas é em vão. Ele interpreta um personagem real, o assessor de imprensa/publicista Ron Oberman, que trabalhou para divulgar Bowie nos EUA e posteriormente para um iniciante Bruce Springsteen. Boa parte de Stardust se passa na América e traz a dinâmica entre os dois, o astro reticente, apavorado por não conhecer a si mesmo e temer enlouquecer como o irmão Terry e o funcionário da gravadora que só quer dar uma bola dentro.

Vindo do documentário, Gabriel Range dirige e escreve junto com o ator Christopher Bell esse filme que intenciona ser “a” cinebiografia de Bowie da era da pasteurização das biografias de músicos no cinema. Eis que ele preenche a lacuna entre o sofrível Bohemian Rhapsody e o competente, ainda que comedido, Rocketman, sendo uma apresentação insípida de Bowie em seus primórdios. Após ver o trailer e persistir, seja por ofício ou curiosidade, na ideia de ver o filme, a constatação não é outra além da de que falta muito para que Stardust consiga mesmo que emitir um resquício do brilho do menino de Browley, David Robert Jones, que se tornou o maior rockstar de sua era.

Stardust, biografia de David Bowie

Buscando elencar os culpados, não é possível apontar o dedo para Johnny Flynn. O astro sul-africano até que canta bem (as músicas de Jacques Brel, “My Death” e “Amsterdam”, tornadas famosas também na voz de Bowie), finge bem, digamos, algum desalento e um charme claudicante de dândi, mas não escapa da caricatura. Deve ter visto demais Rami Malek como Freddie Mercury, pois insiste numa forma de falar esquisita por conta da dentadura de dentes tortos. Tá certo que naquela altura Bowie não era tão seguro de si e de suas personas, mas ridicularizá-lo fazendo parecer um bobão drogado ou mímico fajuto foi um pouco demais. E a transformação em um Ziggy Stardust com cabelo tingido na cor cereja e não alaranjada? É rir pra não chorar com tamanha imprecisão. Bom, ao menos os figurinos clássicos de Freddie Burretti estão lá reapresentados no show na sequência final. Como seria possível que alguém que teve como mentor o grande Lindsay Kemp, estudou thelema, devorou literatura beatnik e compôs “The Man Who Sold The World” ser um tapado?

Emulando o que parecem ser alguns trechos de Rocketman, onde Elton John está na rehab, Stardust traça a conexão entre Bowie e Terry Burns, seu meio irmão “camaleão, comediante, luxuoso e caricato”, a influência vital. Poderia ser um caminho justificável para o filme, mergulhar nas vicissitudes dessa relação, mas a opção é apenas por riscar superficialmente a camada de gelo que poderia ser traduzido audiovisualmente. Se não a cinebiografia definitiva – o que é uma missão quase impossível, pois Bowie poderia ter uma para cada fase distinta de sua carreira incrível – ao menos poderia Stardust ser um filme modesto e honesto sobre irmãos que eram viajantes ligados, On The Road, cujo laço formado se propagou no caminho que o caçula seguiu para expressar sua genialidade. A autenticidade em se ser um barulho latente que se perpetua por várias músicas e obras, assim redefinindo a arte, o comportamento e a própria contemporaneidade. Para sempre.

Um grande momento
Bewlay Brothers no carro

[44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo]

Lorenna Montenegro

Lorenna Montenegro é crítica de cinema, roteirista, jornalista cultural e produtora de conteúdo. É uma Elvira, o Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema e membro da Associação de Críticos de Cinema do Pará (ACCPA). Cursou Produção Audiovisual e ministra oficinas e cursos sobre crítica, história e estética do cinema.
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